sábado, 15 de dezembro de 2018

José e a Nuvem.



José apertou o botão de numero vinte e sete no painel do elevador.
Todos cumprimentavam José com respeito e admiração, não era pra menos, já que José era o dono de todo aquele lugar.
José não dizia nada, mas em segredo gostava daquela bajulação.
Sua maleta cheirava a couro legitimo, seu terno estava impecável como sempre.
Quem o observava tinha facilmente a impressão de que ele havia nascido para aquilo.
Olhar compenetrado, semblante altivo e uma postura que impunha respeito.
E assim, José caminhava para aquele que seria o seu primeiro dia naquele prédio.
Após muitos anos de trabalho, José estava ágora subindo os andares de seu sonho mais ambicioso. O edifício era lindo, as janelas tinham vidros espelhados, a recepção tinha mesas de mármore e todos os andares tinham ar condicionado e jardim de inverno.
Estava tudo pronto para receber o Senhor José, como todos o chamavam.
O café estava quente, os biscoitos servidos e meia dúzia de secretarias aguardavam as ordens do dia.
O elevador finalmente chegou ao seu destino, às portas se abrem e um José radiante vai até a sua sala. O próprio José havia elaborado o projeto para aquela sala. Era espaçosa e as vidraças eram totalmente transparentes.
- Eu quero ver o mundo aqui de cima – Dizia José.
José gostou daquilo que viu, sua mesa era de madeira de lei, quadros com temas clássicos enfeitavam as paredes, um belo carpete cobria todo o chão e um confortável sofá completava a mobília.
José observava tudo com calma, degustando cada detalhe, inspecionando cada canto e sorrindo por dentro de tanto contentamento.
Até aquele momento sua vida havia sido feita de vitórias, seus sonhos haviam se tornado realidade, seu trabalho e perseverança haviam dado frutos e aquele prédio era a maior prova disso.
Seu prédio, sua empresa e centenas de funcionários ao seu dispor. Cabia a José continuar trabalhando e aumentar o seu império.
José se aproximou das vidraças transparentes de onde podia ver o mundo, mas infelizmente naquela manhã algo saiu errado. A mãe natureza, totalmente desavisada dos planos de José, colocou nuvens enormes no céu impedindo assim que ele comtemplasse o mundo como havia planejado.
José estava sozinho em sua sala, e se perguntava como aquelas nuvens podiam ter a ousadia de estragar um dia que deveria ser perfeito.
José praguejou contra a nuvem. José sabia fazer-se obedecer, sabia conquistar o que queria, mas quanto às nuvens não havia muito que fazer a não ser esperar que elas se dissipassem e mostrassem um lindo dia ensolarado, para que assim José pudesse contemplar o mundo de seu pequeno mundo envidraçado.
Mas existem momentos na vida, que não avisam quando vão chegar, pois não estão programados não podem ser calculados ou previstos e não dependem de nuvens.
José voltava para sua mesa quando viu sobre ela algo que não tinha colocado ali.
A moldura estava gasta pelo tempo e a foto era em preto e branco, mas José podia identificar facilmente aquele rosto – Era seu pai!
José sentou-se em sua cadeira de couro e segurou aquele pequeno tesouro em suas mãos.
Seu pai era um homem de caráter e José gostaria muito que ele estivesse ali para assistir o seu sucesso, o que infelizmente não era possível, pois aquele homem admirável havia falecido assim que José sairá da Faculdade.
Aquele dia estava planejado para ser um dia de comemoração dos sucessos conquistados, mas olhando a foto de seu velho pai, José pensava apenas em tudo e todos que já havia perdido.
Lembrou-se de sua infância e da escola.
Sua família era muito simples e pobre, José ia para a escola com as roupas que eram doadas pelos amigos da família.
O pai de José era funcionário de uma grande empresa, mas era apenas um faxineiro e seu salario era o suficiente apenas para o alimento e as prestações da pequena casa onde viviam. A mãe de José costurava em uma velha maquina e com o pouco que ganhava ajudava o marido com as despesas.
José começou a trabalhar muito cedo e muito cedo aprendeu o significado da palavra dificuldade, era difícil trabalhar e estudar. Mas José tinha aquele tipo de força que move aqueles que enfrentam dificuldades, mas não aceitam serem tragados por elas.
José estudou e trabalhou muito, fazia pequenos bicos com o pai nos fins de semana e juntava algum dinheiro para a faculdade.
A comida era simples, as roupas eram simples, mas os sonhos eram enormes e como não existe nenhuma critica ou pessoa que consiga derrubar grandes sonhos, José pouco a pouco viu sua vida mudar. Seu pai com muito empenho e muita faxina, conseguiu realizar o sonho de ver José em uma faculdade.
A vida da família estava melhorando, mas uma única coisa nunca mudava, seu pai e sua mãe eram as mesmas criaturas simples de sempre, certo dia depois de conseguir um novo emprego José chegou em casa radiante disposto á levar os pais para jantar fora e comemorar a nova conquista.
Os pais de José se recusaram na mesma hora, sua mãe lhe disse que podiam comemorar ali mesmo, pois havia preparado galinhada seu prato favorito, além do mais não possuía roupas para frequentar restaurantes. O pai de José lhe disse que podia se atrapalhar com os talheres de um restaurante, mas concordava em comemorar com aquele lanche que José lhe trazia de vez em quando da rua.
José mesmo com a recusa dos pais, saiu com um sorriso no rosto para buscar o lanche do qual o pai tanto gostava. O lanche era simples, feito com tomate alface e frango, seu pai chamava de lanche da preta, pois se lembrava de que no sitio de seu falecido avô havia uma galinha com esse nome – José gargalhava com as histórias do pai.
Poucos meses após o fim da faculdade, o pai de José faleceu meses depois sua mãe foi ao encontro do esposo.
Em todos esses anos e até aquele momento, José não havia parado realmente para pensar naquilo, e foi assim que José descobriu que precisava chorar.
E chorou. Chorou lembrando-se da vergonha que sentia na infância por saber que seu pai limpava banheiros, chorou, pois se lembrou de que entre tantos funcionários não conhecia nem mesmo meia dúzia pelo nome, chorou, pois sabia que tudo que havia conquistado jamais substituiria aquilo que havia perdido – José havia perdido sua humanidade.
José chamou uma de suas secretarias e inquiriu dela quem havia colocado aquela foto em sua mesa, pois a ordem não havia partido dele.
A secretaria prometeu que descobriria isso o mais rápido possível, mas ficou preocupada em ver que o patrão tinha os olhos rasos d'água.
José chorava, pelos amigos dos quais tinha se afastado, chorava pelas pessoas que havia magoado enquanto construía seu império.
Minutos depois sua secretaria surge com uma senhora que José não reconheceu de imediato.
Dona Helena era uma adorável senhora de sessenta anos, as rugas pelo rosto deixavam transparecer uma vida difícil e pelo uniforme que vestia José não teve duvidas - Dona Helena era uma das faxineiras de seu prédio.
- Senhor José, esta é a Dona Helena nossa faxineira, ela diz que lhe conhece, diz também que foi ela quem colocou a foto em sua mesa depois que acabou de limpa-la.
José pediu para ficar á sós com aquela pequena mulher de ar assustado.
- De onde a senhora me conhece? – perguntou José.
- Depois que seu pai faleceu, sua mãe ficou muito doente o senhor tinha acabado de terminar seus estudos e não podia ficar em casa, sempre fui vizinha e amiga de sua família e o senhor me convidou para trabalhar em sua casa e cuidar de sua mãe, meses depois infelizmente ela se foi.
O senhor me disse que estava montando um pequeno escritório e me ofereceu novamente um emprego, nos últimos dezessete anos a cada novo escritório eu tenho lhe acompanhado e aqui estou.
- Passei muito tempo com sua mãe, mas conheci pouco o seu pai. Sua mãe falava dele como quem fala de um herói, me falou sobre os sonhos que ele tinha para o senhor e me falava da certeza que ele tinha de que o senhor venceria nessa vida. Foi por isso que achei que o senhor ficaria contente em vê-lo todos os dias sobre a sua mesa.
José não deixou mais a mulher falar, pois sabia que as lágrimas voltariam a qualquer momento.
Pediu para que Dona Helena ficasse na sala e chamou vários funcionários, apertou a mão de todos que chegavam e apresentou todos á Dona Helena. Deu ordem para que os móveis fossem tirados e levados para um escritório no andar térreo.
Disse para Dona Helena que não queria mais olhar o mundo de cima, iria se dedicar a olhar as pessoas.
Dona Helena não entendeu absolutamente nada, mas ficou feliz quando recebeu um abraço do patrão e desceu pelo elevador com ele e a foto de seu pai.
- Dona Helena eu preciso de dois favores – Pediu José.
- Procure, por favor, uma foto de minha mãe, pois os dois faziam um belo par e quero eles sempre aqui em minha mesa. O segundo favor e mais simples, é quase hora do almoço e eu gostaria muito de comer um daqueles lanches com alface, tomate e carne de frango, esse lanche me faz lembrar a preta, uma galinha de estimação de meu avô.
Dona Helena caiu na gargalhada, mas prometeu conseguir o lanche.
José estava na sua sala do piso térreo e olhou pela janela, o céu estava azul e as nuvens haviam se dissipado ele resolveu fazer um passeio por todas as salas de seu prédio, por onde passava recebia um olhar assustado e em troca retribuía com um sorriso nos lábios.
José estava voltando a viver, enquanto seu pai e sua mãe cheios de orgulho lhe observava de cima de sua mesa.
Existirão dias em que as nuvens vão nos impedir de ver o céu, mas podemos sempre olhar a nossa volta. E acredite, dependendo do que, e quem te cerca, pode ser uma visão maravilhosa.
Algumas nuvens em nosso céu particular podem distorcer uma verdade que precisa ser lembrada constantemente – Não importa para onde você vai, importante mesmo é como você trilha o caminho e quem estará ao seu lado durante a jornada.

Paulo Joaquim (P.J).

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

O que te completa?





Barulho de chuva no telhado, mais um sonho pra sonhar.
Um frio na barriga, coisas boas acontecendo, ver seus filhos crescendo.
Entender as coisas complicadas do universo para dar valor as mais simples.
Bocejar com gosto, afagar com beijo e dividir um desejo.
Ter mais uma chance, escrever um poema e resolver um problema.
Mudar de cabelo, assoviar estalando o dedo, andar contra o vento e esperar tudo há seu tempo.
Comer fruta madura mesmo que seja de dentadura, envelhecer com rugas, mas manter a postura.
Amar quem se ama, ou começar um amor, tomar banho de mangueira e fingir que é cachoeira.
O que te completa?
Andar por uma vida curva ou procurar uma reta? Vá a pé ou compre uma bicicleta, seja lá do jeito que for procure sua meta.
Ria alto, fale baixinho, explique com paciência, perdoe com o coração e ame com mais paixão, não critique o que não conhece, não discuta aquilo que não entende, aprenda tudo que puder e aplique quando quiser.
Seja você, ame você, concorde com você, discorde de você, dê um presente a você. Não se pergunte o quanto falta, não procure ter certeza de tudo, seja bem vindo ao verdadeiro mundo.
Acredite em Deus, preserve o bom e o belo e acredite nos seus.
Lá vem mais uma estação, dizem que tem as cores do verão.
Sair do inferno, aproveitar o inverno.
Buscamos em todos os lugares e procuramos sinais, esquecemo-nos, no entanto que é no outono que as folhas caem.
Esperamos tanto a chegada de uma nova era, que nem percebemos quando já é primavera.
O que te completa?
Tire o dia para jogar bolinha de gude, nadar no açude e bater figurinha. Faça um campeonato de cuspe a distância, dance ciranda, brinque de pega-pega e volte a sua infância.
Respire fundo, observe o mundo, dê um tempo a si mesmo. Não espere nada de ninguém, não ajude com estardalhaço, não cobre o que não merece e não espere colher o que não plantou.
Seja discreto, seja sincero, fale a verdade, ela dói. Mas os que a dizem possuem mais chances de serem perdoados e perdoarem a si mesmos.
Não escolha vinho apenas pelo rotulo, nem livro pela capa e muito menos pessoas por aparência. Respeite as deficiências e não seja tão duro com exigências.
O que te completa?
Musicas para dançar, historias para contar e memorias boas pra relembrar.
Fé na vida, fé em você mesmo e fé na caminhada.
A solidão que apascenta a alma numa tarde chuvosa com sua bebida e seu livro predileto, e a solidão em meio às multidões.
Tempo para fazer tudo, e tempo para poder simplesmente não fazer nada e descansar na beira da estrada.
Deve ser questão de tempo andar no sol esperando pelo vento.
Deve ser por conta da fase da lua que tudo fica mais belo no meio da rua.
As bailarinas com suas sapatilhas magicas, o som de um violino ao fundo e eu sorrindo por dentro aqui no meu próprio mundo.
Ouvi segredos que prefiro não dizer, vi cores que não consegui distinguir, não entendi as regras e por isso quebrei algumas.
Você que tem sonhos grandes demais e essa mente inquieta, nem sempre perguntas são necessárias e nem sempre a resposta é certa.
Vivemos um pedaço de cada vez. Na verdade são quebra cabeças que são montados para que o todo seja mostrado.
Nada é tão certo que não esteja errado, nada é tão duro que não seja quebrado, nada é tão vazio que não possa ser preenchido e nada que sobe esta livre da queda, mas o conselho é sempre o mesmo:
Dê valor a tudo que te completa.

Paulo Joaquim (P.J).

sábado, 17 de novembro de 2018

Dona Joana não sabia dançar.





Dona Joana não sabia dançar, mas sabia falar e sorrir bastante.
Andava com dificuldade, mas andava sem a ajuda de bengala e tinha a mente lúcida.
Dona Joana não sabia dançar, mas contou-me que sabia fazer casaquinhos de lã, me falou sobre seus netos e as dúzias de casaquinhos que havia feito para eles.
Dona Joana era menina pobre, precisou cuidar dos irmãos mais novos e por isso não frequentou o Mobral, mas aprendeu a escrever seu próprio nome e ler um pouco. Disse-me que a melhor parte de saber ler e escrever, é não precisar pedir informação sobre qual o ônibus precisava pegar e o melhor de tudo, não precisava mais sujar seus dedos para marcar documentos com digitais, bastava assinar.
Dona Joana sabia assinar, o que ela não sabia era dançar.
Ela sabia lavar, passar, limpar, cozinhar, pintar guardanapos e contar historias.
Dona Joana quando virou moça, tinha vergonha dos rapazes, se achava baixinha demais, feia demais, pobre demais e não sabia dançar.
Nas quermesses do padre Antônio, Joana era convidada especial, ajudava a cuidar das barracas e fazia os melhores doces da quermesse - dizia Padre Antônio.
Dona Joana, ou joaninha para os íntimos, ficava lisonjeada por ser elogiada pelo santo padre que por sinal também tinha nome de santo.
Dona Joana cresceu, mas continuou fazendo roupas de boneca para as meninas, secretamente ela brincava também e imaginava que todas as bonecas formavam um grupo de balé.
O seu primeiro namorado era moço serio trabalhador e tinha até uma bicicleta nova, mas o namoro durou pouco. O rapaz sempre queria fazer coisas com as quais Joaninha não concordava.
Todos se perguntavam, porque Joaninha não queria mais namorar aquele moço tão distinto e trabalhador que ainda por cima tinha uma bicicleta nova?
Dona Joana sabia o que queria, o que ela não sabia era dançar.
Depois de alguns anos sem que ninguém esperasse Dona Joana se casou.
Dona Joana foi feliz, teve filhos, trabalhou, foi mãe e dona de casa, que segundo ela era a segunda profissão mais difícil do mundo.
- Ser dona de casa é a segunda profissão mais difícil do mundo? – Perguntei.
- Sim meu filho - Me responde Dona Joana apoiada em meu braço.
- E qual é a primeira? Perguntei.
- É a das bailarinas meu filho.
- Existem aquelas que fazem rodopios no ar.
- Algumas dançam com rodinhas nos pés, já imaginou meu filho? E elas precisam treinar todo dia, ficam cheias de calos, mas eu acho que calo é igual dificuldade. Todo mundo tem as suas.
Eu apenas meneio a cabeça concordando, afinal não tem como discordar de Dona Joana.
Dona Joana ficou viúva muito cedo, mas não se casou novamente. Dona Joana sabia que existem coisas que não podem ser substituídas, o que Dona Joana não sabia era dançar.
Conheci Dona Joana em um asilo, disse a ela que gostaria de escrever algo sobre sua historia.
Dona Joana me disse encabulada – Mais meu filho, quem é que vai ler essas coisas de uma velha que só sabe assinar o nome e ler o nome do ônibus?
Eu apenas ri com vontade de chorar, As Donas Joanas que existem espalhadas por ai não fazem ideias de como seu jeito simples e despojado faz falta em nossos dias atuais cheios de etiquetas e vazios de sentimentos.
Dei um grande beijo em Dona Joana e me despedi.
Depois de um mês voltei a Ver Dona Joana, e ela me perguntou:
- Já escreveu?
Ao que respondi que não, pois ainda não tivera tempo.
Dona Joana fez um ar sério, coçou a cabeleira branca me olhou nos olhos e perguntou; Você pode escrever que eu gosto de dança?
- Claro - respondi.
- Eu posso escrever o que a Senhora pedir.
- Escreva o que você achar melhor meu filho, eu não entendo nada dessas coisas de escrever, mas não esqueça que eu gosto de dança – Disse Dona Joana com um sorriso envergonhado.
Eu sorri e disse que o que eu gostaria de fazer era uma espécie de homenagem, e ali sentados continuamos a papear.
Ela me falou sobre sua vida, sobre seus filhos que a visitavam cada vez menos e sobre o último casaquinho de lã que havia feito.
Falou sobre sonhos, pessoas, família e é claro sobre dança. Disse-me que seu único arrependimento em vida era não ter aprendido a dançar.
- Eu acho que quando agente é pequeno deviam ensinar agente a dançar, do mesmo jeito que ensinam a não falar palavra feia e obedecer aos pais – Disse Dona Joana. E eu concordei plenamente.
Faz cinco meses que Dona Joana faleceu.
Dona Joana não ouviu esse texto ser lido como prometi, mas li depois em uma sessão especial de leitura só para ela.
Em meio a um mundo cada vez mais separado e hipócrita, encontrar esses pequenos milagres do mundo que nos fazem rir, pensar e entender como o mundo é grande e a vida pequena é um privilegio.
Dona Joana não sabia dançar, mas escreveu seu nome diversas vezes num caderninho para treinar a assinatura.
Dona Joana fez dezenas de casaquinhos, mesmo sem a certeza de que seriam entregues, pois certa vez me disse que o importante era sempre fazer algo.
Dona Joana está feliz e com certeza já aprendeu a dançar.
Dona Joana era uma dessas pessoas fantásticas que agente ama de graça a primeira vista.
Ela sabia tudo sobre sonhos, criar filhos, viver, sorrir nas horas difíceis e contar historias maravilhosas.
O que Dona Joana não sabia era dançar, mas isso foi resolvido. Pois posso vê-la cercada por anjos que lhe ensinam todos os passos, nos intervalos para descanso Dona Joana conta uma de suas historias maravilhosas e os anjos se divertem a valer.
É fundamental conhecer pessoas assim.
É mais fundamental ainda depois de conhecê-las, fazer aulas de dança.


Paulo Joaquim (P.J).

domingo, 11 de novembro de 2018

João e Maria.






João corria pela rua.
Enquanto corria chutava pedras, latas, poças d’água ou qualquer coisa que encontrasse.
O tênis de João tinha buracos.
Sua mãe sempre dizia: João não chute tudo pelo caminho moleque, não vê que assim estraga o tênis!
João apenas sorria, era moleque demais para entender o que significava comprar um tênis novo, mesmo porque, sempre herdava o tênis e ás roupas dos irmãos mais velhos.
João era alegre, era impossível olhar para aquele moleque e não vê-lo sorrindo.
Maria chegou à escola.
O carro era bonito, mas Maria era muito mais.
Seus olhos eram claros, sua pele de uma brancura angelical, seus sapatinhos com um laço de fita estavam impecavelmente limpos, seu vestido parecia feito para bonecas, mas era isso mesmo que Maria era - Uma boneca.
João como sempre estava correndo, ele e meia dúzia de moleques brincavam, seus cabelos estavam desgrenhados e suas roupas sujas.
 João havia perdido um dente de leite, mas era um banguela simpático, jogou seu dente no telhado, fez um pedido e foi viver a vida, e que vida!
A vida de João era uma correria. Estudava pela manhã, ajudava o pai na feira, jogava bola, enxia o saco de sua mãe, e para fechar com chave de ouro, brincava de esconde-esconde e pega-pega até sua mãe dizer que era hora do banho e do jantar.
Maria fazia aulas de dança, inglês e tocava piano.
A professora de Maria dizia que a menina era uma dádiva, mas Maria não se sentia assim.
Às vezes Maria gostava de ficar trancada em seu quarto pensando na vida, em alguns momentos seu semblante era triste.
A professora de João conversava com sua mãe na reunião:
- Dona Silvia, precisamos aconselhar o João, ele não se dedica, suas notas estão baixas e ele lê muito mal.
Dona Silvia coçava os cabelos balançava a cabeça e dizia:
- Esse menino não tem jeito não Dona Fessora, é bom menino, mas sempre foi assim.  João estava atrasado duas séries.
Maria estava em uma festa. As pessoas eram adultas e Maria tentava se comportar como uma delas. O pai de Maria trabalhava em um banco importante, portanto ia a festas importantes com pessoas importantes, e Maria que não via nada de importante naquilo acompanhava os pais.
João resolveu que iria estudar, pois caso não estudasse iria ser reprovado mais uma vez.
Maria não teve problemas com as provas finais, era uma das primeiras de sua classe e foi aprovada com louvor.
João se preparava para o momento da ceia de natal. Sua mãe lhe pedia paciência, explicava que aquela era uma data importante, falava sobre o menino Jesus, sobre a manjedoura e tudo mais, mas João queria mesmo era abrir seu presente e atacar a comida.
Na pequena casa de João tudo era festa, pessoas que eram parentes ou não, se acomodavam como podiam, afinal a galinhada da Dona Silvia ninguém podia perder.
Dona Silvia estava transbordando de alegria, João fora aprovado, recebeu até elogios de sua professora.
João ainda não sabia, mas seu pai iria lhe fazer uma surpresa.
Quando o relógio marcou meia noite, Dona Silvia pediu silencio e todos começaram a rezar um pai nosso. Logo em seguida o som foi ligado e todos se entregaram a alegria do natal.
O pai de João era feirante, homem simples e humilde, mas de um caráter irrepreensível.
Foi até a pequena árvore de natal, e de lá tirou um pequeno embrulho, olhou para João com lágrimas nos olhos e disse - Filho! Isso é para você.
João não conseguia acreditar no que viu quando desembrulhou o pacote.
Um tênis novinho brilhava bem na sua frente. João pulou no pescoço do pai e lhe beijou durante meia hora, finalmente teria um tênis mais resistente para chutar pedras, latas, poças de lama e etc...
Maria estava sentada ao lado de uma de suas primas, a mesa era grande e a ceia era farta.
Maria ganhou novos vestidos, bonecas, sapatos e ganhou também um lindo caderno de desenho que usaria no próximo ano da escola.
Mas Maria não se sentia bem, estava com um pouco de febre, a babá sempre dizia:
- Essa menina tem uma saúde muito frágil, é preciso tomar cuidado, e nunca tomar friagem.
A diretora queria falar com João, lhe explicou que naquele ano ele estudaria em uma nova sala e com novos amigos, pediu-lhe também que ele repetisse o sucesso do ano anterior e desejou-lhe boa sorte.
João estava atrasado, chegou até a porta e parou, conferiu o numero da sala e viu um monte de gente que não conhecia, a professora olhou para ele e com um sorriso pediu que entrasse.
A professora disse aos demais:
- Pessoal este é o nosso novo amigo João, e este ano ele estudará conosco.
João ficou embaraçado quando todos os olhares se voltaram para ele, buscou com os olhos um lugar vago e sentou-se.
João passou alguns minutos buscando um rosto familiar, mas não encontrou nenhum.
A professora então chamou:
- Maria você poderia ler o texto para a classe?
Maria estava sentada na primeira fileira, levantou-se e foi à frente da classe.
João depois de mil anos não poderá explicar o que sentiu naquele momento.
Meu Deus ele pensou - Como seu olho é claro, como sua pele é branca, como seus sapatos são limpos, e que vestido era aquele? Parecia vestido de boneca!
João não se deixou impressionar apenas pelo sapato, afinal seu tênis também era novinho em folha, pelo menos até encontrarem os primeiros obstáculos pelo caminho.
Durante o intervalo, um acidente tirou o sorriso do rosto de João, Pereba seu melhor amigo sem querem derrubou seu pão com ovo. Maria que assistia a tudo sorriu.
João não estava com tanta fome assim e também estava sem animo para brincadeiras, algo naquela manhã havia mexido com João, e ele não parava de pensar - Que pele branca, que olho claro e o vestido então!
João resolveu que naquele dia não iria brincar, apenas sentou-se em um canto e lá ficou ouvindo os gritos dos amigos que lhe chamavam para a brincadeira.
Quer um pedaço de bolo? - Perguntou Maria.
João se levantou com um pulo - Que olho era aquele pensava João, e o vestido então!
João pegou um naco de bolo e colocou na boca, só depois percebeu que o pedaço era grande demais, ficou com a boca cheia e as bochechas vermelhas enquanto mastigava. Maria apenas sorria.
Você devia estar mesmo com fome - Disse Maria sorrindo.
João sem saber o que dizer, apenas balançava a cabeça e tentava engolir o bolo.
Vamos até o rio depois da aula? - Perguntou João.
Por que quer me levar até o rio? - Perguntou Maria.
Hora você me deu bolo, e eu quero te agradecer - Disse João.
Era o tipo mais estranho de agradecimento que Maria tinha visto, mas aceitou assim mesmo.
Maria aprendeu a nadar no rio com João.
João aprendeu a estudar com Maria.
Maria aprendeu a sorrir com João.
João e Maria fizeram uma trilha de migalhas.
João aprendeu que não devia chutar tudo que encontrava pela frente com Maria.
Eles estão juntos por ai em algum lugar.
Sofreram enfrentaram preconceitos e discriminações, mas resolveram fazer uma trilha de migalhas.
João se formou com a ajuda de Maria.
Maria compôs uma musica em seu piano para João.
João e Maria tiveram filhos, brigaram, desentenderam-se, expuseram todas as suas diferenças. João e Maria tiveram fracassos e sucessos, riram e choraram juntos, passaram por toda sorte de dificuldades, mas fizeram uma trilha de migalhas.
João é um homem melhor a cada dia com a ajuda de Maria.
Maria é uma mulher que encontrou significado nas coisas simples com João.
A profissão deles não importa.
A família rica de Maria tentou, mas não conseguiu seguir a trilha de migalhas.
A família pobre de João preocupava-se que a trilha de migalhas fizessem ambos se perderem ao longo do caminho.
João e Maria fizeram guerra de travesseiros, fizeram economia, assaram um bolo e tomaram banho de mangueira fingindo que era uma cachoeira.
 João e Maria não deixaram uma trilha de migalhas para marcar o caminho, afinal eles não estavam perdidos e não pretendiam voltar atrás, apenas descobriram que seu status, seu tênis velho, a cor da sua pele, suas diferenças e tudo o mais precisam virar migalhas.
João segurou a mão de Maria.
Maria segurou a mão de João.
E foi assim, que João e Maria descobriram que é de mãos dadas que fazemos a trajetória dessa estrada que chamamos de vida, pois sem uma mão firme e companheira, a jornada não faz o menor sentindo e todo o resto é apenas migalhas.
Todos concordavam que uma trilha de migalhas era útil, como no conto de João e Maria, pois na vida todos podem se perder ou sair do caminho.
Nosso João e nossa Maria descobriram que é justamente transformando certas coisas em migalhas que a gente se encontra e acha o caminho.

Paulo Joaquim (P.J).

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Como escolher Laranjas.




Um supermercado qualquer, um dia qualquer, porém um dia de chuva que às vezes é meio melancólico, mas propício a um aprendizado inesperado.
Setor de hortifrúti sabe-se lá Deus que horas eram essa informação ficarei devendo, pois minha cabeça não estava para relógios.
Eu apenas escolhia laranjas.
Aproximou-se aquele milagre de Deus, aquilo que acredito ser a comunhão perfeita entre vida vivida e experiência adquirida.
A sua pele sulcada e suas rugas na testa e nos olhos denunciavam algo entre 70 e 80 anos.
Uma moça que estava ao seu lado perguntou – Vó como faço para saber se as laranjas estão boas?
A jovem senhora lhe respondeu – Observe ela, apalpe um pouco, sinta se não esta muito mole, cheire para ver se não tem cheiro de podre, mas não dá para saber se esta doce, porque para saber temos que experimentar.
A moça passou a fazer o que sua avó lhe aconselhou.
Observei com mais atenção.
Ela percebeu e me disse – Precisamos escolher afinal não podemos levar coisas podres para casa, muito menos levar algo que precisaremos jogar fora depois. Depois de dizer essas coisas ela me olhou e abriu um sorriso.
Pude observar melhor suas rugas, seus olhos miúdos e seu sorriso largo.
Em tempos de estética avançada, onde se falar em rugas é quase pecado, onde envelhecer pode dar processo, pude observar aquele sorriso maravilhoso com rugas e tudo mais.
Ela continuou sorrindo, e tenho quase certeza que não falava apenas de laranjas, e mesmo que o tenha feito acredito que seu discurso se aplica a cada coisa e cada decisão de nossas vidas.
Não podemos levar coisas podres para casa.
O que você anda levando para casa?
Quantas vezes compramos a preço de ouro uma vida ou uma situação que vale menos que bananas?
Quantas vezes entendemos de maneira dolorosa que compramos, mas não levamos, ou compramos e precisamos jogar fora?
Eu poderia dizer que ela é uma senhora experiente, poderia dizer que suas rugas merecem respeito.
Poderia inclusive elaborar um belo texto sobre como tratar os idosos, poderia formular uma palestra sobre os direitos dessas pessoas por muitas vezes indefesas, mas...
Mas... A verdade é que indefeso sou eu, pois um simples comentário sobre como averiguar a qualidade das laranjas me pós em alerta, me fez pensar sobre minhas coisas podres, meus amigos podres, as religiões podres, os políticos podres e as coisas que levo para minha casa, mas em uma segunda olhada tenho desejo de joga-las fora.
Indefeso somos nós que não sabemos o valor de uma vida bem vivida, pois quando ela esta chegando ao final tudo que possuímos são as lembranças do que levamos para casa e daquilo que compramos sem averiguar sua qualidade.
Aquele sorriso não merece respeito, mas sim uma reverência.
Não sei seu nome, e provavelmente jamais saberei, mas obrigado por ensinar seu método com as laranjas.
Dizem que apenas uma laranja estragada pode estragar um saco inteiro, sendo assim seu método é extremamente importante.
Acredito que quando a hipocrisia social não se mete a besta em dizer o que espera das pessoas, de seus corpos, de seu comportamento, de seu sucesso ou quando não lhes dizem o que usar o que comer ou como se vestir, até as rugas ficam bonitas.
Sorri de volta para ela com um aceno de cabeça.
Eu acredito que rugas podem significar anos vividos, mas não acredito que experiência se conquiste apenas com idade, pois existe gente com muita idade pouca experiência e rabugice de sobra. Mas quando rugas se misturam a um sorriso franco e sincero, fica fácil entender algumas coisas sobre a vida.
Quando falo sobre a vida, me refiro às rugas, ao sorriso e aos sábios conselhos, pois ninguém chega aos 70, 80, 90 ou 100 com um sorriso daqueles sem ter passado por uma vida bem vivida, bem sofrida, bem escolhida e experimentada.
Ouço conselhos todos os dias, ouço pessoas que fingem possuir certa sapiência que na verdade não passa de achismo, que fazem livre julgamento ou mesmo opinam de maneira livre sobre vidas que não vivem e escolhas que não lhe dizem respeito. Isso realmente me entristece, pois sei que ainda não descobriram que para saber se algo é doce precisamos experimentá- lo, e tenho certeza absoluta, a maioria delas não sabe escolher laranjas.

Paulo Joaquim - (P.J).

domingo, 12 de agosto de 2018

Algumas verdades sobre algumas mentiras que te contaram.



Homens choram. Pasmem mais isso é verdade, eles apenas não assumem isso e fingem possuir o elixir que os tornam inatingíveis.
Todos, quando observam uma amarelinha desenhada na rua, acordam dentro de si o desejo de sair pulando do inferno para o céu e voltar a ser criança. Não fazemos isso porque nos disseram que somos adultos sérios e responsáveis, é por isso que o numero de amarelinhas desaparece a cada ano.
Acredite perto de você nesse exato momento existe alguém que precisa desesperadamente de um abraço, mas ele (a) não irá pedir, pois nos disseram que isso é sinônimo de fraqueza e carência.
Perguntaram-nos o que seriamos quando crescêssemos, e por algum motivo por vezes parece que os planos não deram certo.
A eminencia das segundas feiras cheias de afazeres, o desejo insaciável pelas 18:00 horas do fim do expediente marcam nosso ritmo.
Talvez seja por isso que nos irritamos quando crianças aparecem com seus sonhos infantis e seus planetas cheios de cores.
Será que essa bendita criança não percebe que o mundo é duro? Que ganhar dinheiro é um desafio constante e inadiável?
Será que esses sonhos infantis não percebem que um dia esbarrarão num muro de concreto duro, difícil de escalar e com guardas vigiando a fronteira do outro lado?
Será que crianças pequenas com sonhos grandes não percebem que nos tiram do sério?
Tiram-nos do sério justamente porque esse foi nosso sonho um dia...
... Um dia de sol qualquer.
Um dia em que confiávamos mais.
Um dia onde o cumulo da enganação era cuspir na mão para bater figurinhas.
Um dia onde cores não existiam, pois ele (a) era apenas meu amigo.
Um dia onde religiosidade não significava nada, pois papai do céu era um conceito geral e não uma ideologia sectária.
Dividir um lanche era mais importante do que dividir fronteiras.
A disputa era para saber quem deixaria primeiro de fazer xixi na cama, finalizada a disputa, era hora de brincar e sorrir por qualquer bobagem.
Todos possuem seus momentos de introspecção e solidão, o momento do espelho onde você se encontra consigo mesmo, mas nos disseram que isso pode ser sinal de loucura. Viver é um negócio pra gente descolada, sagaz e que caminha sem olhar para trás.
Disseram que o mundo adulto era feito de escolhas e certezas.
Conquistas e crescimento.
Responsabilidades e decisões.
Mas como acreditar nisso se a paz só vem com um olhar para aquela criança que acha uma bola colorida à descoberta mais importante da história?
Como viver isso se a maior conquista e desejo de uma criança num momento de frustação é o pedido de um colo e um abraço?
Esses pestinhas nem mesmo precisam de antidepressivos, basta apenas lhes fazer cocegas e lhes dizer que tudo ficará bem.
Como viver de certezas, se as criaturas mais puras desse planeta vivem num mar de dúvidas?
Disseram que você deveria saber qual é sua turma, mas lembre-se que na sua infância, sua turma era qualquer garoto com uma bola, qualquer menina que desejasse apostar corrida, qualquer igual que possuísse as mesmas convicções e inocência que você.
Verdades e mentiras a parte, se puder, volte a ser criança!
Elas são mais confiáveis e conhecem o caminho do sucesso, que basicamente é um biscoito molhado no leite, bons amigos, um desenho animado, colo e carinho de mãe e um pai que tenha sérios problemas mentais e brinque com você das coisas mais loucas.
Se em meio a tudo isso rolar aquele cochilinho da tarde, ai o mundo fica perfeito.

P. J.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Já pagou seu boleto hoje?



Há 26 dias havia certa expectativa sobre coisas novas ano novo, vida nova e essas coisas sobre as quais gostamos de idealizar.
O problema é que os dias passam o mês esta quase no fim, e nossa maior certeza são os boletos. Sim os boletos. Essas coisinhas infames com códigos de barras e data de vencimento.
Eles te surpreendem pulando da caixa de correio ou quando você abre a porta de casa, e vê que eles foram jogados ali debaixo da porta para te dar as boas vindas ao chegar.
A lista é enorme. Água, luz, condomínio, cartões de credito, aluguel, plano funerário, carro e por ai vai.
O único bom e sábio conselho é: Pague seus boletos. O não pagamento pode te deixar sem serviços básicos e na lista negra de proteção ao credito, e nunca se esqueça dos boletos invisíveis, pois esses são com certeza os mais urgentes.
Explico: Boletos invisíveis são aqueles que não chegam que não avisam sobre data de vencimento, mas podem acabar com seu dia ou mesmo destruir sua vida.
Imagine se você recebesse um boleto te dizendo que você deveria dedicar 2 horas por dia brincando com seu filho (a)?
Ou aquele boleto que diz que uma caminhada pode te ajudar com a saúde, e comer qualquer porcaria o tempo todo pode adiar seus dias por aqui?
Um boleto deixando claro que a atenção que você dá a seu aparelho telefônico é uma atenção roubada de seu marido ou esposa, de seu namorado ou namorada.
Um boleto que te lembrasse de que estar com alguém requer atenção, cuidados e confraternização?
Um boleto que te cobrasse sobre estar em casa totalmente de corpo e alma, e que te proibisse de entrar nela cada vez que seus problemas do trabalho ou do mundo lá fora viessem enroscados nas suas costas?
Um boleto que te cobrasse um afago no teu bicho de estimação, um bom dia para o porteiro, para a pessoa que limpa sua rua e recolhe o lixo. Um boleto para te cobrar do muito obrigado, por favor, pode passar e deixa que eu ajudo?
Um boleto que te obrigasse a abrir uma garrafa de vinho e cozinhar em casa pelo menos uma vez por semana?
Um boleto que te cobrasse a leitura de um bom livro e vencesse imediatamente caso você descuidasse de seu aprendizado e evolução continua?
Um boleto que te cobrasse mais conversa e menos gritos? Que te cobrasse mais postura e menos opiniões?
Um boleto que te cobrasse exemplos e não conselhos?
Nem os mais entendidos sobre bolas de cristal e técnicas adivinhatórias podem-te dizer como será seu ano, mas uma coisa é certa e definitiva, os boletos sempre chegam. Chegam por correio, chegam por e-mail, chegam por cobradores e chegam pela vida.
Os conselhos estão por toda parte. Alguns querem que você vença outros que você desista e existem ainda aqueles que torcem contra, mas o único e verdadeiro conselho que vale a pena seguir é este: Pague seus boletos. Pague os visíveis e os invisíveis.
Pague os que possuem código de barras gigantesco e aqueles que de tão imperceptíveis deixamos acumular numa mesa de sentimentos de rancor, dor, solidão, descrença e confusão.
O não pagamento de boletos pode cortar sua água, mas também podem cortar seu coração.
Podem negativar seu nome, mas podem também negativar sua honra e dignidade.
Podem cortar sua luz ou apagar sua luz.
Podem te fazer perder sua moradia de tijolos, mas podem também te fazer perder aquilo que você chama de lar.
Deseje o que quiser para esse ano, sonhe, faça planos, prometa algo se quiser, embora isso não seja aconselhável, mas acima de tudo! Pague seus boletos.


P.J.