segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O lago dos sonhos.

O lago dos sonhos.

Agora que acabou a chuva, posso ver como é belo o lago.
Suas águas ficaram turvadas quando a tempestade chegou, mas logo pude contemplar meu rosto nele novamente.
Já faz tempo que contei todos os meus segredos ao lago, somos amigos de longa data.
Que fique claro que não pretendo ser igual Narciso e morrer contemplando uma beleza que não existe.
Eu e o lago nos olhamos com ternura, sabemos que a vida é tênue. Quando a chuva chega e não posso ver o meu reflexo, não me aborreço de alguma forma sei que estou lá.
Quando não posso me debruçar sobre o lago, ele entende que não fui por qualquer outro motivo.
O lago me diz tudo que preciso ouvir, é o espelho do qual preciso.
Contou-me certa vez, sua opinião sobre os homens da terra.
- Veja meu caro amigo, os homens se banham em minhas águas, pescam meus peixes e bebem de minha água, mas não contemplam minha beleza.
Entendi o que meu amigo lago queria dizer, assim como todas as pessoas da face desta terra, o velho lago só queria um pouco de respeito e consideração com aquilo que dava sem pedir nada em troca.
- Eles não contemplam sua beleza apenas porque estão sempre com pressa – Disse eu certa vez.
- Não meu jovem, eles não contemplam minha beleza, apenas porque não podem fazer isso por muito tempo – Me respondeu o velho lago.
- Não podem? Por quê? – Eu quis saber.
- Hora eu sou um lago – me respondeu ele.
- Olhar para dentro de mim, é olhar para dentro de você mesmo, porém existem pessoas que não aguentariam a própria visão por muito tempo.
- Olhar para dentro de si mesmo é algo doloroso meu jovem, os homens que olham para dentro de si mesmo e voltam para contar aquilo que viram são homens corajosos e destemidos.
- Como você consegue distinguir os corajosos dos covardes – Perguntei.
- Eu não consigo, eles é que me contam – Me respondeu ele.
- Certa vez um desses homens se aproximou de minha margem, contemplou o infinito e chorou. Chorou por quase uma hora.
Seu soluçar era pesado, como se carregasse um fardo sobre os ombros. Depois de um tempo ele se ajoelhou, deu um suspiro e começou a fazer uma oração.
A oração era bela, eu a conheço de outros tempos e outras bocas. Entendi naquele momento que aquele pobre homem buscava paz.
Entendi também que não importa o que um homem possua, sem essa paz que vem de dentro para fora, ele sempre continuará vazio.
Ele se levantou, olhou para os céus e deu um sorriso, como se tivesse naquele momento encontrado a cumplicidade que buscava – Parecia mesmo que naquele momento tinha feito as pazes com algo, ou alguém – Talvez com ele mesmo.
- Poderia ser com Deus – Perguntei.
- Não me respondeu o lago – Não podemos fazer as pazes com Deus, pois Deus jamais se zanga conosco. O que aconteceu meu jovem foi que aquele homem descobriu que era Deus.
- Ele era Deus? Mas como pode ser?
- Hora não pode ser meu jovem, apenas é. Você é Deus, todos que caminham por esta terra carregam um pouco de Deus consigo. Tudo isso faz parte de um acordo.
- Que acordo? – Quis saber.
- Este acordo foi traçado na linha dos tempos meu jovem. Para que o homem jamais se esquecesse de onde veio e para onde vai, Deus colocou um pedacinho seu dentro de cada um.
- É maravilhoso o que me dizes caro amigo lago, mas não entendo, pois não sei de onde vim, nem tão pouco para onde vou – Disse eu.
- Você veio do tudo pequeno homem, veio das estrelas, do orvalho, da terra e do mar que é meu amigo. Você veio de tudo que existiu e de tudo que existirá você é parte daquilo que passou e será parte de tudo que esta por vir.
- Mas como posso saber para onde vou, amigo lago?
- Você não pode meu pequeno, ninguém pode. Ninguém pode, pois o lugar para onde vamos é exatamente igual ao lugar que já estamos. Esse homem que chorou em minhas águas não encontrou apenas paz, encontrou também seu lugar no mundo.
Entenda meu pequeno amigo, que existem ocasiões na vida em que tudo que desejamos é começar novamente, mas não precisamos nos preocupar com o para “aonde vamos”, se cuidarmos do “onde estamos”.
- Entendi então que meu amigo lago tinha razão, lembrei-me das vezes em que em momentos de tristeza fui até o lago, contemplei sua calmaria observei o vento que brincava fazendo pequenas ondas, observei as pequenas ondas que levavam lentamente as folhas que caiam das árvores.
Naquele momento eu sabia onde estava e sabia para onde eu iria, os gritos de minha alma se calavam e a paz me invadia como se nada mais pudesse me atormentar.
- Entende agora meu jovem? – O homem que observa dentro de si mesmo não precisa mais buscar coisa alguma.
- É preciso mais do que coragem – Eu disse.
- Sim – Me respondeu o velho lago.
É preciso saber que antes de buscarmos coisas fora, precisamos entender que tudo aquilo de que precisamos já esta dentro.
Um barulho de passos interrompeu nossa conversa.
Um homem se aproximava do lago.
Ele se aproximou, respirou fundo e agachou-se. Pegou um pouco de água lavou o rosto. Pegou outra porção de água e bebeu. Levantou-se espreguiçou todo seu corpo, suspirou novamente, pigarreou, cuspiu no lago e se foi.
- Como ele pode fazer algo assim? – Perguntei a mim mesmo indignado.
- Porque tanta raiva meu jovem, você acabou de ver uma cena que vejo todos os dias – Me disse o velho lago.
- Como esse homem pode ser Deus? Como ele pode contemplar o que é belo quando se porta deste jeito?
- Hora meu jovem, o fato de todos terem um pedaço de Deus dentro de si não faz de ninguém alguém perfeito. Entenda que Deus faz parte de todos os homens, porém cabe ao homem a decisão de fazer parte de Deus. E quanto a contemplar o que é belo, lembre-se, ninguém contempla o belo em um lago se não tiver coragem de enxergar a si próprio.

P. J. S.