Um brinde a vida.
Sim, pois a vida é um garçom. Portador de segredos, só
ele sabe sobre os murmúrios das mesas. Apenas ele sabe o quanto você bebeu e
qual será o valor final dessa conta.
Antes que tudo acabe, você pode se voltar para esse
confidente e dizer: Traz a saideira!
A vida é um desses bares fantásticos onde se vive o happy
hour, é lá que a sexta feira ganha sentido e a semana ruim é perdoada. É lá que
os demônios da semana são esquecidos, as responsabilidades postergadas e todo
mudo fica lindo (a) após a quinta dose.
Lá é possível afogar as magoas, se afogar em bebida e
afogar-se em dívidas. Dá pra fugir do chefe, da esposa, do esposo, da vida
insossa e sem tempero, dá pra fugir até de si mesmo.
Se a vida fosse uma eterna saideira, o que pediríamos
antes de fechar a conta?
Talvez estivéssemos tão bêbados de vidas mal vividas,
rancores acumulados, sonhos não realizados e dúvidas não respondidas, que o
vômito seja inevitável.
Mas como bons bebedores que somos, lavamos a boca,
escovamos os dentes, colocamos um sorriso na cara e partimos para novos porres
de vida.
Somos tão ousados em nossos drinks, que misturamos
amores com ódio, conselhos que damos com vidas que não vivemos, comparamos
nossos filhos com os filhos dos outros e culpamos nossos relacionamentos
miseráveis, pela falta de felicidade.
Felicidade essa, que desejamos num copo grande, doses
cavalares. Melhor ainda se for open bar.
Antes de fechar a conta gostaríamos de nosso coração
batendo sem nenhuma artéria entupida, que pernas, braços e nervos ainda
funcionem. Que o grau dos óculos não aumente a cada ano e que a coleção de
remédios da gaveta ao lado da cama seja só uma fase.
Entre um drink e outro beliscamos conservas, embutidos,
frituras e opiniões.
Entre um drink e outro vivemos a ressaca. Ressaca de
mais um dia, ressaca de tudo que desejaríamos mandar para o espaço e a ressaca
de sermos covardes demais pra isso.
Colocamos limão e um pouco de açúcar na bebida, talvez
porque a mistura doce e azedo seja o coquetel da vida. Certas coisas engolimos
aos poucos, outras viramos de um só gole.
Reclamamos da demora no atendimento, por vezes o
pedido nunca chega.
Por vezes o pedido chega quente, sem gás, sem pressão
ou com gosto amargo.
Tomamos alguns tragos de alegria pelo caminho, é
verdade. Quando estamos levemente bêbados falamos certas “verdades”, mas não
suportamos os porres de sinceridade que a vida nos oferece. Afinal, beber é
sair da realidade, é visitar a alegria ou afogar a dor no álcool, pois dor
demais só pode ser bactéria, e o que existe de melhor para se matar bactérias
do que álcool?
Antes que o tempo acabe desejamos nos conciliar com o
passado. Ouvimos que o passado não existe, que o passado é coisa morta e não
tem como concertá-lo. Provavelmente tais palavras saíram de um livro qualquer
de autoajuda que ocupa um lugar nos mais vendidos da semana.
O fato é que milhões de pessoas dormirão essa noite
com decisões que não tomaram a décadas, escovarão os dentes antes de dormir
pensando nas coisas que gostariam de terem feito de maneira diferente.
Tomarão café pensando na vida que não possuem, farão
amor pensando nos amores que não viveram e trabalharão pensando na profissão
que deixaram de escolher.
Bebemos o de sempre, e vez ou outra escolhemos algo
mais forte e sem gelo.
Bebemos pelos mortos, pelos vivos e brindamos a saúde.
Brindamos o sucesso, comemoramos com a champanhe e fazemos uma libação aos
deuses.
É como render homenagens a Baco.
É como acordar de um coma alcoólico sem saber com
quantos copos se faz uma vida.
Uma cerveja para amolecer a dureza da vida, um vinho
para romantizar as circunstâncias, uma vodca para assustar os neurônios que
dormiam e uma caipirinha que nos deixará levemente soltos.
Positivamente bem-humorados, ligeiramente esquecidos e
profundamente apaixonados.
Um brinde a vida, a política, ao seu time do coração.
Um brinde ao que deu errado e a sua promoção.
Um brinde ao desemprego e outro ao desespero.
Um brinde ao amor, que nunca se declarou explicável,
mas que vivemos tentando entender.
Finalmente um brinde aos analgésicos, energéticos e
café preto que nos joga na realidade. Que deixa claro que em detrimento da
sexta existe sempre uma segunda. Que nos faz enxergar que afinal nem era tanto
amor, mas apenas caipirinha.
Que a vida acontece com ou sem rabo de galo, que o
mundo continua a girar em qualquer dia e gira mais rápido ainda quando estamos bêbados
de vida.
Mas a casa estará sempre aberta para mais uma dose,
esse garçom incansável, estará a postos com sua bandeja, e a fuga bem ali na
porta te saldando como uma velha companheira de baladas.
No meio de tudo, beba água.
Numa vida seca e sem sentido hidratação é fundamental,
já que a vida é um eterno porre.
Beba com moderação, viva com consciência e peça mais
uma rodada.
Paulo Joaquim.