segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Mudanças


Dia desses acordei e o primeiro pensamento que me veio à cabeça é de que as coisas precisam mudar. Não uma grande mudança, mas um incremento que traga novos sabores à rotina do dia a dia. Misturar um pouco as coisas, adicionar limão e gelo à vida.

Esse pensamento emergiu entre um modo soneca e outro do despertador. A luz do dia nem ameaçava as cortinas ainda quando eu virei para lado e disse a minha esposa que eu queria mudar. Ela resmungou algo por meio segundo que deveria ter um significado entre “que excelente ideia! Vamos discutir isso ao longo do dia e identificar as oportunidades de mudança em nossa vida”; “estou feliz como estamos agora, temos que terminar o que começamos para pensar em novas coisas” ou, o mais provável “cala a boca que eu ainda estou dormindo e quero aproveitar cada segundo antes de ir para o trabalho”.

Os detalhes diários são sempre iguais. Não que sejam ruins, mas segue um ritual que invoca certa previsibilidade, como se o destino segurasse sua xícara de café e dissesse, com olhar atento a cada movimento nosso, “eu sabia”.

Todos os dias descemos atrasados pelo elevador do quinto andar. Eu sempre olho no espelho e dou uma última conferida para ver se não esqueci de tirar o pijama e colocar a roupa adequada e ela confere, pela terceira vez, se colocou a chave na bolsa. No carro, antes mesmo de dar a partida, ligo o rádio para ouvir as notícias do dia. Em movimento, iniciamos a nossa própria central de notícias discutindo a pauta padrão: reclamar do trânsito, do presidente, dos filhos do presidente, da economia, da previdência, da aposentadoria. Conforme Curitiba vai se desdobrando a nossa volta, mudamos um pouco o tom e falamos da família, dos amigos, do trabalho. Repassamos alguns recados importantes que um esqueceu de compartilhar com o outro na noite anterior. Eventualmente eu falo sobre o meu mestrado (como um quadro semanal) e ela fala sobre viagens.

Ela desce primeiro. Sempre estaciono mais ou menos no mesmo lugar, em frente ao prédio onde ela passa a maior parte do dia. Dou um beijo na ponta do nariz e nos lábios e desejamos mutualmente um bom dia.

A partir daí, as coisas seguem um curso normal. Enquanto estamos em nossos afazeres, cada um quase que num extremo da cidade, não pensamos mais no que foi conversado, no que programamos e eu nem sequer lembro que acordei pensando em mudar as coisas. É um intervalo onde o essencial da vida escapole para uma pausa e força uma reflexão ausente. Ou apenas tira um tempo para relaxar e assistir a Sessão da Tarde. É o que eu acho.

O trânsito de volta pra casa é sempre um sufoco. Motoristas mal-humorados (mais do que de manhã, antes das dez). O cansaço pesando nos ombros e, em alguns dias, o sono já exigindo a atenção dos olhos incrementa um trajeto de pequenas penitências. Nunca voltamos juntos. Nossos horários no período da tarde não se encontram.

Quando chego em casa, o ritual retoma o controle. Jogo o peso das costas no sofá ao lado da porta. Não quero entrar em casa com carga alguma. Geralmente encontro-a no quarto entretida entre o celular, a televisão ou um livro. Quando entro, não há uma saudação de “boa tarde!”, um “olá!” ou um “como foi o seu dia?”. O assunto recomeça, como se não tivesse existido um intervalo de oito horas desde a última vez que nos vimos. Eu desabo ao seu lado e dou-lhe outra bitoca na ponta do nariz.

- O que você acha daquilo que falei logo que acordamos? – pergunto mudando o canal da TV.

- De que ia chover?

- Não, antes!

- Não me lembro.

- De que eu queria mudar alguma coisa!

- O que você quer mudar?

- Sei lá. Quebrar um pouco a rotina.

- Legal. Fiz frango. Está com fome?

E entre um diálogo totalmente desconexo e uma fala distraída, reparo sorrindo que, na minha rotina, assim como neste texto, a parte mais importante é quando estamos juntos. São esses os momentos que constroem a minha história de verdade. Se eu quero mudar? Sim, quero muito. Quero mudar o tempo e ter mais espaço para escrever as minhas histórias. As partes importantes, sabe?