Momentos
– III.
Seu rosto era pálido, suas roupas estavam puídas e
rasgadas.
Seu rosto tinha um tipo de tristeza quase palpável.
A sua volta alguns cachorros estavam deitados, esse
tipo de animal tem um tipo de sensibilidade e fidelidade, que provavelmente jamais
assimilaremos.
Eu era apenas mais um na multidão, sentei-me naquela
praça de uma cidade chamada Piracicaba. Sentei-me porque precisava esperar. Esperar
o horário de ir para outro lugar.
Ela não, ela não iria a lugar algum.
Ela me olhou e me dirigiu um sorriso. Não entendi o
que o seu sorriso significava, talvez estivesse grata por eu não ter mudado de
banco, confesso que os cachorros estavam precisando de banho, mas fiquei assim
mesmo.
Ela retirou um pequeno saco de papel de sua sacola,
de lá começou a retirar alguns salgados que pude observar pela dificuldade com
que os partia, não eram frescos e muito menos estavam quentes.
Pedaço a pedaço foi alimentando os cachorros que a
faziam companhia, notei que quando os transeuntes passavam perto demais de seu
banco, os cachorros emitiam um rosnado, como se a protegessem.
Pedaço a pedaço, ela alimentava seus amigos, e
apenas depois de alimenta-los, começou também a comer alguns pedaços.
Olhou-me mais uma vez, dessa vez levantou a mão, como
se dissesse – “Servido?”.
Eu apenas sorri de volta e balancei a cabeça em
sinal de negativo.
Eu iria a algum lugar.
Ela não iria a lugar nenhum, seu rosto tinha algo
parecido com satisfação. Talvez pelo fato de ter alimento para ela e seus
protetores.
Observei que ela não bebia nada, nem mesmo água.
Fui até uma dessas barracas que vendem lanches para
os apresados do dia a dia, que não têm tempo para uma refeição decente.
Voltei com uma garrafa de suco que tentei
entregar-lhe, mas ao me aproximar ouvi um rosnado e fiquei temeroso.
Provavelmente aqueles cachorros não eram vacinados.
Ela disse que o nome do que havia rosnado era
campeão.
Eu apenas sorri.
Ela estendeu seu braço e pegou a garrafa de suco.
Antes de levar à garrafa a boca, remexeu sua
sacola que parecia uma caixa de pandora, e retirou de lá uma vasilha de plástico,
despejou uma parte do conteúdo e colocou no chão para seus amigos.
Fiquei ali por mais dez minutos talvez.
Ela acendeu a bituca de um cigarro, e tragou duas ou
três vezes antes que a bituca começasse a queimar seus dedos.
Campeão se aproximou de mim, dessa vez não rosnava,
apenas balançava o rabo e tinha um jeito meio desconfiado, mas seu olhar era
amistoso.
Ele é manso – Me disse ela.
Arrisquei, estendi a mão e Campeão se aproximou um
pouco mais.
Passei a mão pela sua cabeça, e ele aceitou o
carinho.
Eu iria a algum lugar.
Campeão continuaria ali de guarda, protegendo sua
também protetora.
Deixei alguns cigarros com ela, e recebi mais um sorriso
em troca.
Campeão me observou partir, enquanto balançava o
rabo.
Sim, ela era uma moradora de rua.
Sim, seus cachorros eram vira-latas.
Sim, me senti melhor colaborado com um suco e alguns
cigarros, mas eu queria mesmo era estar cercado por pessoas mais cachorras e
menos humanas.
Por pessoas que dividissem pedaços de salgado velho
e duro, mesmo que aquilo fosse seu único alimento do dia.
Conheço pessoas cheias de retorica e belos discursos,
mas descobri que sou apaixonado por cachorros que gostam de salgado e suco de
laranja.
P.J.