Cartas
de Um Suicida.
Sim corra, e diga a todos que me suicidei nesta
última madrugada.
Deixe os detalhes bobos de lado, diga apenas que
como arvores no Outono, os seres humanos também perdem suas folhas e seu brilho.
Diga a todos que cansei da hipocrisia, cansei das
coisas mais ou menos do mundo, diga que jamais gostei de coisas pela metade.
Amores mal resolvidos, vidas desleixadas e pessoas
que falam demais e ouvem de menos.
Diga que sentei - me em minha velha cadeira de
balanço na beira de um abismo, e escolhi o vazio. O vazio da montanha, o
barulho do vento e o canto longínquo das aves que faziam seus ninhos nas
encostas.
Diga que cansei do mundo das pessoas cheias, pessoas
que usam mascaras e fingem ser o que não são, ou jamais serão.
Pessoas cheias de cores, valores e diferenças.
Diga também que não fiz nenhum discurso especial
para dar meu ultimo suspiro, afinal discursos quase sempre são explicativos, e
eu me dou ao luxo de não dever explicações.
Diga apenas que amei cada mulher como se fosse
única, vivi minha vida, pois essa sim sempre soube que o seria.
Derramei lagrimas em várias ocasiões, não que elas
precisem de ocasião se houver emoção.
Diga que minha morte foi indolor, pois ouvia Amazing
Grace tocada com gaitas de fole.
Dancei a meia noite sentindo o perfume da mulher que
amei.
Transformei minhas mãos em ferramentas e assim construí.
Errei em tudo que podia e acertei em tudo que fui
capaz.
Jamais servi de exemplo, mas fui bom o suficiente.
Doei-me, perdoei, mas apenas quando quis, pois não
confio em cordeiros imaculados.
Aprendi mais do que ensinei, amei e fui amado e
acima de tudo ensinei sobre o amor.
Diga para que todos ouçam, de que de nada me arrependo,
faria tudo novamente, e talvez com mais intensidade.
Troquei de pele, apitei na curva, virei comida de
vermes fui morar a sete palmos do subsolo.
Diga que não vi nenhuma luz, não sei se isso é um
bom ou mau sinal. Não sei se céu ou inferno existem e francamente não pretendo
voltar para contar, simplesmente porque acredito que o céu e o inferno estão
bem aqui, prontos para serem construídos ou destruídos pelas nossas atitudes
boas, ou inconsequentes, humanistas ou mesquinhas.
Diga que não deixei bens, pois nunca pensei em
acumula-los.
Talvez um livro velho aqui e outro ali, talvez o velho
vidro de perfume que ela gostava, mas jogue tudo isso fora.
Sim corra, e diga a todos que me suicidei.
Vi o mundo e não gostei, vi pessoas fingindo serem
felizes, fingindo serem dignas, diziam que seu caráter e sua postura era mais
justa que a de seu vizinho.
Diziam que possuíam o segredo do sucesso enlatado, e
seus livros sagrados ofereciam um Deus jamais visto.
Diga a chuva e ao vento que sentirei saudades.
Diga que rezarei em nome de todos que ficaram, porém
rezarei a minha maneira, pois não acredito em produtos que não saiam de meu
coração.
Sim eu me suicidei.
Depois desse ato, fiquei mais limpo e mais leve.
Quisera eu saber que isso era assim tão bom, teria
feito há mais tempo.
Enforquei minha velha vida, esqueci pessoas que não
tinham peso nem conteúdo, esfaqueei pensamentos que me incomodavam e servi uma
taça de veneno aos meus medos.
Acordei pela manhã.
O espelho me mostrava um homem mais velho, porém
mais sábio mais sereno e de sorriso misterioso.
Fui até a rua, e percebi que o suicídio funcionará. As
pessoas não me incomodavam, suas reclamações sem sentido, seu ego, e seus
problemas que são sempre os maiores do mundo, já não me diziam mais nada.
A maçã tinha um gosto mais doce, a vida com todos os
seus dissabores valia a pena.
Alguns nomes dançaram em minha cabeça, eram poucos,
mais eram os que valiam a pena.
Tomei nota sobre o que fazer fiz planos para aquela
manhã.
Prometi a mim mesmo que não tentaria agradar
ninguém, seria educado e refinado, mas esse seria meu limite.
Prometi que não deixaria o amor passar, na próxima oportunidade
diria a ela o quanto a amo.
Prometi que em todas as manhãs olharia aquele
espelho, e procuraria por aquele homem.
Procuraria por aquele ser humano que queria ser, no
qual desejava me transformar.
Aquele homem de sonhos, aquele homem melhor que só
pode ser construído a duras penas – Dia após Dia.
Sim corra, e diga a todos que me suicidei esta
madrugada, mas não perca tempo, vá depressa, pois amanhã pretendo me suicidar
mais uma vez.
P. J.