José
e a Nuvem.
José apertou o botão de numero vinte e cinco no
painel do elevador.
Todos cumprimentavam José com respeito e admiração,
não era pra menos, já que José era o mais alto executivo daquele lugar.
José não dizia nada, mas em segredo gostava daquela bajulação.
Sua maleta tinha cheiro de couro legitimo, seu terno
estava impecável como sempre.
Quem o observava, poderia ter facilmente a impressão
de que ele havia nascido para aquilo.
Olhar compenetrado, semblante altivo e uma postura
que impunha respeito.
E assim José caminhava para aquele que seria o seu
primeiro dia naquele prédio.
Após muitos anos de trabalho, José estava ágora
subindo os andares de seu sonho mais ambicioso. O edifício era lindo, as
janelas tinham vidros espelhados, a recepção tinha mesas de mármore e todos os
andares tinham ar condicionado e jardim de inverno.
Estava tudo pronto para receber o Senhor José, como
todos o chamavam.
O café estava quente, os biscoitos servidos e meia
dúzia de secretarias aguardavam as ordens do dia.
O elevador finalmente chegou ao seu destino, às
portas se abrem e um José radiante vai até a sua sala. O próprio José havia
elaborado o projeto para aquela sala, era espaçosa e as vidraças eram
totalmente transparentes.
- Eu quero ver o mundo aqui de cima – Dizia José.
José gostou daquilo que viu, sua mesa era de madeira
de lei, quadros com temas clássicos enfeitavam as paredes, um belo carpete
cobria todo o chão e um confortável sofá completava a mobília.
José observava tudo com calma, degustando cada
detalhe, inspecionando cada canto e sorrindo por dentro de tanto contentamento.
Até aquele momento sua vida havia sido feita de
vitórias, seus sonhos haviam se tornado realidade, seu trabalho e perseverança
haviam dado frutos e aquele prédio era a maior prova disso.
Seu prédio, sua empresa e centenas de funcionários
ao seu dispor. Cabia a José continuar trabalhando e aumentar o seu império.
José se aproximou das vidraças transparentes de onde
podia ver o mundo, mas infelizmente naquela manhã algo saiu errado. A mãe
natureza, totalmente desavisada dos planos de José, colocou nuvens enormes no
céu impedindo assim que ele comtemplasse o mundo como havia planejado.
José estava sozinho em sua sala, e se perguntava como
aquelas nuvens podiam ter o atrevimento de estragar um dia que deveria ser
perfeito.
José praguejou contra a nuvem, mas sabia que uma
hora elas iriam embora. José sabia fazer-se obedecer, sabia conquistar o que
queria, mas quanto às nuvens não havia muito que fazer a não ser esperar que
elas se dissipassem e mostrassem um lindo dia ensolarado, para que assim José
pudesse contemplar o mundo de seu pequeno mundo.
Mas existem momentos na vida, que não avisam quando
vão chegar, pois não estão programados não podem ser calculados ou previstos.
José voltava para sua mesa quando viu sobre ela algo
que não tinha colocado ali.
A moldura estava gasta pelo tempo e a foto era em
preto e branco, mas José podia identificar facilmente aquele rosto – Era seu
pai!
José sentou-se em sua cadeira de couro e segurou
aquele pequeno tesouro em suas mãos.
Seu pai era um homem de caráter e José gostaria
muito que ele estivesse ali para assistir o seu sucesso, o que infelizmente não
era possível, pois aquele homem admirável havia falecido assim que José sairá
da Faculdade.
Aquele dia estava planejado para ser um dia de
comemorações dos sucessos conquistados, mas olhando a foto de seu velho pai,
José pensava apenas em tudo e todos que havia perdido.
Lembrou-se de sua infância e da escola.
Sua família era muito simples e pobre, José ia para
a escola com as roupas que eram doadas pelos amigos da família.
O pai de José era funcionário de uma grande empresa,
mas era apenas um faxineiro e seu salario era o suficiente apenas para o alimento
e as prestações da pequena casa onde viviam. A mãe de José costurava em uma
velha maquina e com o pouco que ganhava ajudava o marido com as despesas.
José começou a trabalhar muito cedo e muito cedo
aprendeu o significado da palavra dificuldade, era difícil trabalhar e estudar.
Mas José tinha aquele tipo de força que move todos aqueles que enfrentam
dificuldades, mas não aceitam serem tragados por elas.
José estudou e trabalhou muito, fazia pequenos bicos
com seu pai nos fins de semana e juntava algum dinheiro para a faculdade.
A comida era simples, as roupas eram simples, mas os
sonhos eram gigantes e como não existe nenhuma critica ou pessoa que consiga
derrubar grandes sonhos, José pouco a pouco viu sua vida mudar. Seu pai com
muito empenho e muita faxina, conseguiu realizar o sonho de ver José em uma
faculdade.
A vida da família estava melhorando, mas uma única
coisa nunca mudava, seu pai e sua mãe eram as mesmas criaturas simples de
sempre, certo dia depois de conseguir um novo emprego José chegou em casa
radiante disposto á levar os pais para jantar fora e comemorar a nova
conquista.
Os pais de José é claro se recusaram na mesma hora,
sua mãe lhe disse que podiam comemorar ali mesmo, pois havia preparado
galinhada seu prato favorito, o pai de José lhe disse que podia se atrapalhar
com os talheres de um restaurante, mas concordava em comemorar com aquele
lanche que José lhe trazia de vez em quando da rua.
José mesmo com a recusa dos pais, saiu com um
sorriso no rosto para buscar o lanche do qual o pai tanto gostava. O lanche era
simples, feito com tomate alface e frango, seu pai chamava de lanche da preta,
pois se lembrava de que no sitio de seu falecido avô havia uma galinha com esse
nome – José gargalhava com as histórias do pai.
Poucos meses após o fim da faculdade, o pai de José
faleceu meses depois sua mãe foi ao encontro do esposo.
Em todos esses anos e até aquele momento, José não
havia parado realmente para pensar naquilo, e foi assim que José descobriu que
precisava chorar.
E chorou, chorou lembrando-se da vergonha que sentia
na infância por saber que seu pai limpava banheiros, chorou, pois se lembrou de
que entre tantos funcionários não conhecia nem mesmo meia dúzia pelo nome,
chorou, pois sabia que tudo que havia conquistado jamais substituiria aquilo
que havia perdido – José havia perdido sua humildade.
José chamou uma de suas secretarias e inquiriu dela
quem havia colocado aquela foto em sua mesa, pois a ordem não havia partido
dele.
A secretaria prometeu que descobriria isso o mais rápido
possível, mas ficou preocupada em ver que o patrão tinha os olhos rasos d'água.
José chorava, pelos amigos dos quais tinha se
afastado, chorava pelas pessoas que havia magoado enquanto construía seu
império.
Minutos depois sua secretaria surge com uma senhora
que José não reconheceu de imediato.
Dona Aparecida era uma adorável senhora de sessenta
anos, as rugas pelo rosto deixavam transparecer uma vida difícil e pelo
uniforme que vestia José não teve duvidas - Dona Aparecida era uma das
faxineiras de seu prédio.
- Senhor José, esta é a Dona Aparecida nossa
faxineira, ela diz que lhe conhece e diz também que foi ela quem colocou a foto
em sua mesa depois que acabou de limpa-la.
José pediu para ficar á sós com aquela pequena
mulher de ar assustado.
- De onde a senhora me conhece? – perguntou José.
- Depois que seu pai faleceu, sua mãe ficou muito
doente o senhor tinha acabado de terminar seus estudos e não podia ficar em
casa, sempre fui vizinha e amiga de sua família e o senhor me convidou para
trabalhar em sua casa e cuidar de sua mãe, meses depois infelizmente ela se
foi. O senhor me disse que estava montando um pequeno escritório e me ofereceu
novamente um emprego, nos últimos dez anos a cada novo escritório eu tenho lhe
acompanhado e aqui estou.
- Passei muito tempo com sua mãe, mas conheci pouco
o seu pai. Sua mãe falava dele como quem fala de um herói, me falou sobre os
sonhos que ele tinha para o senhor e me falava da certeza que ele tinha de que
o senhor venceria nesta vida. Foi por isso que achei que o senhor ficaria
contente em vê-lo todos os dias sobre a sua mesa.
José não deixou mais a mulher falar, pois sabia que
as lagrimas voltariam a qualquer momento.
Pediu para que Dona Aparecida ficasse na sala e
chamou vários funcionários, apertou a mão de todos que chegavam e apresentou
todos á Dona Aparecida. Deu ordem para que os móveis fossem tirados e levados
para um escritório no andar térreo.
Disse para Dona Aparecida que não queria mais olhar
o mundo ia se dedicar a olhar as pessoas.
Dona Aparecida não entendeu absolutamente nada, mas
ficou feliz quando recebeu um abraço do patrão e desceu pelo elevador com ele e
a foto de seu pai.
- Dona Aparecida eu preciso de dois favores – Pediu
José.
- Procure, por favor, uma foto de minha mãe, pois os
dois faziam um belo par e quero sempre os dois aqui reunidos em minha mesa. O
segundo favor e mais simples, é quase hora do almoço e eu gostaria muito de
comer um daqueles lanches com alface, tomate e carne de frango, esse lanche me
faz lembrar a preta uma galinha de estimação de meu avô.
Dona Aparecida caiu na gargalhada, mas prometeu
conseguir o lanche.
José estava na sua sala do piso térreo e olhou pela
janela, o céu estava azul e as nuvens haviam se dissipado ele resolveu fazer um
passeio por todas as salas de seu prédio, por onde passava recebia um olhar
assustado e em troca retribuía com um sorriso nos lábios.
José estava voltando a viver, enquanto seu pai cheio
de orgulho lhe observava de cima de sua mesa.
Existirão dias em que as nuvens vão nos impedir de
ver o céu, mas podemos sempre ver e admirar as pessoas maravilhosas que fazem
parte do nosso mundo.
Algumas nuvens em nosso céu particular podem distorcer
uma verdade que precisa ser lembrada constantemente – Não importa para onde
você vai, importante mesmo, são os métodos que usa durante o caminho para
chegar lá.
P. J.