sábado, 29 de abril de 2017

Escritor Publicado


Acho que os diálogos mais estranhos acontecem comigo por telefone. Como há uma recorrência de uma comunicação pouco efetiva e quase sempre surreal começo a pensar se existe um “jeito certo” de conversar por meio desse artefato maravilhoso criado por Alexander Graham Bell e eu ainda não saquei como utilizar essa técnica.

Esse aqui aconteceu hoje comigo. Por volta das 19h o telefone toca, e eu atendo sem olhar o identificador.

- Eu falo com o Lucas? – Perguntou uma voz rouca e pastosa.

- Sim, aqui é ele.

- Você faz um texto pra mim?

- Eu posso fazer sim.

- É que eu preciso de um texto e me falaram que você pode fazer um.

- Olha, eu tenho alguns tabus textuais. Dependendo sobre qual assunto é o conteúdo que você precise, eu não escrevo não!

Seguro a risada.

- Eu quero um conto medieval.

- Como é? Um conto medieval?

- Sim, com cavaleiros, espadas e muito sangue.

- Desculpe a pergunta, mas pra que você quer um texto medieval com espadas e sangue?

- E por que você quer saber?

- Nada. Por nada não. Bobagem. Você sabe com quantas palavras você precisa do texto?

- Não sei moço. Quantas palavras cabem em cinco folhas?

- A4?

- Não, sulfite.

- Cabem bastante na verdade. Tem alguma formatação especial que o texto precise seguir?

- Sim. Deve ser organizado em parágrafos, com diálogos e interação entre personagens.

- Entendi. Você vai publicá-lo em algum concurso ou coisa do gênero?

- E você precisa saber disso?

- Ajudaria. Eu poderia ter alguns parâmetros para entregar-lhe um material mais adequado ao que você precisa.

- Não, não! Eu quero que seja medieval e não adequado.

- !

- Você escreve pra mim?

- Em quanto tempo você precisa do texto?

- Consegue me enviar algo amanhã?

- Oi?

- Amanhã seria bom.

- Olha, eu não consigo escrever tão rápido. Não consegue me dar uma semana?

- Tudo isso? Não, eu preciso pra amanhã antes do almoço. Você não tem nada pronto aí não?

- Não tenho. Eu vou precisar criar do zero.

- Mas uma semana é muito tempo! Aí você me quebra.

- Poxa vida! Eu queria mesmo te ajudar, mas nesse prazo, fica difícil eu conseguir produzir algo com qualidade pra você. Até admito que eu escrevo um pouco devagar, mas mesmo assim, pra amanhã eu não dou conta não.

- Cara, isso é preguiça. Se você diz que escreve, então era pra criar um texto como esse em meia hora. Falta vontade pra você. Beira a vagabundice.

- Como é?

- Por sua culpa vou perder o prazo pra enviar minha história para a Antologia dos Cruzados* e não vou ser reconhecido como escritor pelo pessoal.

- Você escreve?

- Não. Mas eu ia pagar você pra escrever pra mim e publicar no meu nome. É a mesma coisa, o que conta é ter o texto no livro com meu nome embaixo.

- Entendi.

- Obrigado por nada, amigão! – Falou da forma mais irônica que conseguiu – Por sua falta de vontade, deixou de faturar trintão. Tchau.

A linha silenciosa me sussurrou mansamente algumas reflexões sobre competência e sobre noção das coisas. Talvez eu esteja precisando de um pouco das duas. Ou não. Ou sim. Me custou “trintão” não saber.


*O nome da antologia foi alterado para não expor ninguém a nada.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

#OMartelodasBruxas


O Malleus Maleficarum, ou simplesmente “O Martelo das Bruxas” foi publicado no ano de 1486, na Alemanha, com objetivo de servir como manual de combate aos praticantes de heresia, tornando-se o guia dos inquisidores a partir do século XV. Dividido em três partes, segundo a Wikipédia, o livro relata as propriedades do demônio e sua ligação com a bruxaria, ensina a lidar com os malefícios do dia-a-dia e, claro, faz um detalhamento de como proceder com o julgamento e execução das sentenças dos acusados.

Quem assistiu ao filme The Crucible (As Bruxas de Salém, no título em português) teve uma ideia de como as coisas aconteciam naquela época, ainda que Hollywood tenha romanceado a questão, principalmente no que se refere à sede desenfreada que as pessoas tinham em acusar de bruxaria aquelas que não pensavam de forma igual a elas, utilizando o artifício como forma de se livrar de um adversário ou simplesmente pelo prazer de ver as fogueiras terem um motivo para serem acesas.

E por que eu gastei dois parágrafos inteiros para falar disso nesse texto? Simples: não consigo deixar de ver uma associação entre a prática de acusação feita no período da Santa Inquisição e o ódio disseminado amplamente, cada dia mais, nas redes sociais, onde se tenta destruir a imagem das pessoas pelos seus atos, muitas vezes, feitos sem o menor resquício de maldade ou intenções demoníacas.

Para ilustrar o que falo, vamos aos exemplos: Bel Pesce, conhecida empreendedora jovem, palestrante e impulsionadora de reflexões acerca da realização pessoal e profissional cometeu um erro. Não vou relatar aqui, pois acredito que a maioria conhece o caso. Quem não conhece, o Google está aí, em posse de todo o histórico para consulta. Pois bem, ela cometeu um erro, e ainda que tenha reconhecido a falta, recuado e pedido desculpas, teve sua vida revirada e exposta, com pessoas comentando com propriedade de causa toda a história de vida da moça – como se tivessem vivido tudo aquilo por ela – e, o que é mais interessante e característico do comportamento de ódio pelo ódio, recusando-se a ouvir o lado da garota. Como consequência, sua imagem foi queimada na fogueira do julgamento social com hashtag e tudo.

Mais recentemente, tivemos o caso com o professor e historiador Leandro Karnal, que em passagem por Curitiba, teve a oportunidade de jantar com o juiz Sérgio Moro. Embalado pelas praticas atuais, clicou o momento e postou em sua página no Facebook. Foi o bastante para atrair o ódio de uma multidão que jura ter um manual com instruções claras sobre com quem as pessoas devem ou não compartilhar uma alegre refeição, e ainda por cima, com credenciais de aprovar ou não a divulgação desse momento. Ainda que não tenha adentrado na fogueira propriamente dita, o professor sentiu o peso desse ódio, ao ponto de excluir a publicação, admitindo depois que excluí-la foi um erro e não tornará a fazer isso novamente em eventuais ocorrências similares. Claro que essa declaração fez com que as tochas fossem levantadas ansiosas por uma oportunidade de acenderem a madeira.

O caso mais recente é sobre a figura do empresário, apresentador e patrão Silvio Santos, em um diálogo com sua funcionária Rachel Sheherazade, onde o animador é acusado de assédio moral, machismo, deselegância, etc, etc, etc. Quão satisfatório seria, para os militantes do ódio, conseguirem queimar um figurão como o dono do Baú, não? Seria o carnê da felicidade quitado e premiado, até que o próximo alvo fosse escolhido para alimentar o fogo. O descontrole. A ignorância e a tirania desenfreada.

Quero deixar claro que não é uma questão de gostar ou não das figuras que citei como exemplo. Escolhi essas, pois repercutiram na mídia em escala maior, mas se olharmos com cuidado será visto que isso acontece o tempo todo, em diferentes níveis nas redes.

Estamos vivendo, no Brasil, a era da inquisição europeia adaptada aos novos tempos, onde os próprios acusadores são também os juízes e carrascos.


Com essas palavras, eu já me adianto em explicar que não estou acusando lados. Aliás, engana-se quem pensa que o ódio tem lados. Esquerda ou direita, isso é ilusão. O ódio é, em uma teoria particular, uma forma das pessoas se satisfazerem com a queda do outro. Com a destruição e angustia infligida ao próximo. É uma forma de diversão, enquanto o fogo queima e destrói aquilo que elas queriam ser, mas não foram capazes de alcançar, seja a pessoa azul ou vermelha.