sábado, 19 de janeiro de 2013

Cartas de Um Suicida.


Cartas de Um Suicida.


Sim corra, e diga a todos que me suicidei nesta última madrugada.
Deixe os detalhes bobos de lado, diga apenas que como arvores no Outono, os seres humanos também perdem suas folhas e seu brilho.
Diga a todos que cansei da hipocrisia, cansei das coisas mais ou menos do mundo, diga que jamais gostei de coisas pela metade.
Amores mal resolvidos, vidas desleixadas e pessoas que falam demais e ouvem de menos.
Diga que sentei - me em minha velha cadeira de balanço na beira de um abismo, e escolhi o vazio. O vazio da montanha, o barulho do vento e o canto longínquo das aves que faziam seus ninhos nas encostas.
Diga que cansei do mundo das pessoas cheias, pessoas que usam mascaras e fingem ser o que não são, ou jamais serão.
Pessoas cheias de cores, valores e diferenças.
Diga também que não fiz nenhum discurso especial para dar meu ultimo suspiro, afinal discursos quase sempre são explicativos, e eu me dou ao luxo de não dever explicações.
Diga apenas que amei cada mulher como se fosse única, vivi minha vida, pois essa sim sempre soube que o seria.
Derramei lagrimas em várias ocasiões, não que elas precisem de ocasião se houver emoção.
Diga que minha morte foi indolor, pois ouvia Amazing Grace tocada com gaitas de fole.
Dancei a meia noite sentindo o perfume da mulher que amei.
Transformei minhas mãos em ferramentas e assim construí.
Errei em tudo que podia e acertei em tudo que fui capaz.
Jamais servi de exemplo, mas fui bom o suficiente.
Doei-me, perdoei, mas apenas quando quis, pois não confio em cordeiros imaculados.
Aprendi mais do que ensinei, amei e fui amado e acima de tudo ensinei sobre o amor.
Diga para que todos ouçam, de que de nada me arrependo, faria tudo novamente, e talvez com mais intensidade.
Troquei de pele, apitei na curva, virei comida de vermes fui morar a sete palmos do subsolo.
Diga que não vi nenhuma luz, não sei se isso é um bom ou mau sinal. Não sei se céu ou inferno existem e francamente não pretendo voltar para contar, simplesmente porque acredito que o céu e o inferno estão bem aqui, prontos para serem construídos ou destruídos pelas nossas atitudes boas, ou inconsequentes, humanistas ou mesquinhas.
Diga que não deixei bens, pois nunca pensei em acumula-los.
Talvez um livro velho aqui e outro ali, talvez o velho vidro de perfume que ela gostava, mas jogue tudo isso fora.
Sim corra, e diga a todos que me suicidei.
Vi o mundo e não gostei, vi pessoas fingindo serem felizes, fingindo serem dignas, diziam que seu caráter e sua postura era mais justa que a de seu vizinho.
Diziam que possuíam o segredo do sucesso enlatado, e seus livros sagrados ofereciam um Deus jamais visto.
Diga a chuva e ao vento que sentirei saudades.
Diga que rezarei em nome de todos que ficaram, porém rezarei a minha maneira, pois não acredito em produtos que não saiam de meu coração.
Sim eu me suicidei.
Depois desse ato, fiquei mais limpo e mais leve.
Quisera eu saber que isso era assim tão bom, teria feito há mais tempo.
Enforquei minha velha vida, esqueci pessoas que não tinham peso nem conteúdo, esfaqueei pensamentos que me incomodavam e servi uma taça de veneno aos meus medos.
Acordei pela manhã.
O espelho me mostrava um homem mais velho, porém mais sábio mais sereno e de sorriso misterioso.
Fui até a rua, e percebi que o suicídio funcionará. As pessoas não me incomodavam, suas reclamações sem sentido, seu ego, e seus problemas que são sempre os maiores do mundo, já não me diziam mais nada.
A maçã tinha um gosto mais doce, a vida com todos os seus dissabores valia a pena.
Alguns nomes dançaram em minha cabeça, eram poucos, mais eram os que valiam a pena.
Tomei nota sobre o que fazer fiz planos para aquela manhã.
Prometi a mim mesmo que não tentaria agradar ninguém, seria educado e refinado, mas esse seria meu limite.
Prometi que não deixaria o amor passar, na próxima oportunidade diria a ela o quanto a amo.
Prometi que em todas as manhãs olharia aquele espelho, e procuraria por aquele homem.
Procuraria por aquele ser humano que queria ser, no qual desejava me transformar.
Aquele homem de sonhos, aquele homem melhor que só pode ser construído a duras penas – Dia após Dia.
Sim corra, e diga a todos que me suicidei esta madrugada, mas não perca tempo, vá depressa, pois amanhã pretendo me suicidar mais uma vez.

P. J. 

Um comentário:

Micaella disse...

Clap, Clap, Clap, Clap, Uma salva de palmas pra você.
Letras soltas, palavras contundentes, gosto quando o texto fala comigo.
Texto bom é assim, que lê não precisa se esforçar, porque não é leitura é quase um dialogo.
Lindo, maravilhoso, parabéns.
Beijo meu anjo.