Da série "só tem louco
me ligando", numa manhã de sábado qualquer, eu estava trabalhando em uma
ideia empolgante, quando o celular tocou. Nunca olho no identificador, acho
mais interessante, em tempos de WhatsApp, saber quem está falando depois do
primeiro "alô".
- Senhor Lucas? - disse a voz de uma mulher quase que gritada na minha orelha.
- É o telefone dele! - (eu sei que às vezes eu também não facilito).
- Estou ligando para falar do texto que o senhor encaminhou para a publicação
XYZ.
- Legal! Você leu?
- Eu não, mas eu gostaria de lhe pedir algumas mudanças no terceiro e no quinto
parágrafo.
- Mas você não leu?
- Não li.
Silêncio.
- E qual é a alteração que eu
tenho que fazer?
- O terceiro e o quinto parágrafo.
- Claro. Sim! Mas qual é a alteração? É uma palavra específica, uma frase, o
que incomodou no texto?
- Então senhor Lucas, a alteração tem que ser feita nessas partes que eu estou
lhe passando. Preciso para hoje à tarde, ok?
- Mas moça, eu preciso que você me diga o que alterar.
- Não é evidente? Os trechos não agradaram.
- Mas você leu?
- Não. Eu não leio os textos da publicação.
- Ok, então é só eu alterar e reencaminhar o texto?
- Isso. Tem que ser pra hoje, até o final da tarde.
O relógio digital sob minha
mesa de trabalho marcava 10h05. Fechei a ideia empolgante e me coloquei a
trabalhar nos parágrafo que mereciam o ajuste.
"Mas ela nem leu,
cacete!".
Revi cada palavra. Mudei o
conceito dos assuntos abordados em cada uma das passagens. Cortei advérbios,
encurtei frases, simplifiquei a linguagem e mudei mais uma coisinha aqui e
outra ali. Perto do meio dia, mandei o texto com as alterações pedidas para o e-mail
indicado.
Por volta das três, o
telefone toca novamente.
- Senhor Lucas?
- É o telefone dele!
- Aqui é o Antunes. Estou ligando para falar do seu texto enviado para a
publicação XYZ.
- A sim, recebeu as alterações que eu mandei?
- Sim, recebemos. Mas eu estou te ligando para falar sobre o parágrafo inicial.
Precisa alterar.
- Mas eu já alterei o terceiro e o quinto parágrafo como me pediram.
- Ok senhor, mas eu estou falando do primeiro. Precisa mudar.
- Você leu o texto?
- Li o primeiro parágrafo até agora. É ele que eu preciso que o senhor altere.
- E qual e a mudança que você quer?
- Não sei. Eu não gostei. Mude para algo que seja mais agradável, por favor.
- Mas isso é muito relativo. Me dê uma indicação mais precisa do que deve ser
alterado.
- O primeiro paragrafo tem que mudar. Eu preciso dele alterado até o final da
tarde de hoje, ok?
- Tá bom, mas só que... Alô? Alô?
Perto das quatro horas,
começo a reescrever. Mudo a introdução inteira do texto e mando para o e-mail
indicado. Às cinco horas, eu atendo o telefone pela terceira vez.
- Senhor Lucas?
- É o telefone dele!
- Aqui é o Flávio da publicação XYZ. Estou entrando em contato para falar do
seu texto. O parágrafo quatro e a conclusão não estão de acordo, esteticamente
e em estilo de linguagem, com restante do texto. O senhor poderia
verificar?
- Amigo, eu alterei o texto duas vezes já a pedido de vocês. Você chegou a ler?
- Ah não, eu não li senhor, eu só sigo ordens.
- Ok, mas por que vocês não passam todas as alterações de uma só vez?
- Senhor, eu estou lhe passando agora. Precisa ser refeito os dois parágrafos
que citei.
- A estética e o estilo?
- Sim, exatamente! E eu preciso do texto ajustado até às seis horas?
- Meu Deus do Céu, cara! Tem menos de uma hora, me dá mais prazo!
Suspiro alto do outro lado da
linha.
- Posso aguardar até as sete.
Ajuda?
- Acho que sim. Vou trabalhar nas alterações imediatamente.
Faltando dez minutos para o
final do prazo, anexo o texto ao e-mail e clico em enviar.
"Acho que agora
fechou".
Exatamente às sete horas, o
telefone toca.
- Senhor Lucas?
- Fala!
- Aqui é o Antônio, da publicação XYZ. Estou ligando para falar do seu texto.
Infelizmente ele não se adequa a nossa proposta e por conta do prazo já
avançado, teremos de descartá-lo.
- Como assim, você ficou maluco? Eu fiz todas as adequações que vocês pediram.
- Sim, mas o tema do seu material está errado. Você escreveu um texto sobre o a
cultura contemporânea e suas implicações sociais, e nós queríamos um texto
sobre as fases da Lua e sua influência sobre a civilização egípcia.
- Mas como assim? O pedido
para a publicação, que vocês criaram e me enviaram especificava que o tema era
a cultura contemporânea e suas implicações sociais. Vocês não podem mudar
assim, sem avisar.
- Senhor, nós avisamos três
vezes que precisava mudar. Você não se adequou, não cumpriu o prazo
estabelecido. Desculpe, mas não tem do que reclamar!
- Mas vocês nunca disseram...
Nunca avisara... Vocês nem sabiam o que deveria ser mudado!
- Senhor, desculpe, mas não
há nada a ser feito. Da próxima vez tente cumprir o prazo estabelecido e com o
tema adequado, ou então passe o texto para outro escritor fazê-lo. Talvez saia
mais dentro do que precisamos.
A linha muda no final do dia,
eu juro, gargalhava na minha cara.
*o nome da publicação,
obviamente, foi alterado para evitar qualquer problema.
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