sábado, 17 de novembro de 2018

Dona Joana não sabia dançar.





Dona Joana não sabia dançar, mas sabia falar e sorrir bastante.
Andava com dificuldade, mas andava sem a ajuda de bengala e tinha a mente lúcida.
Dona Joana não sabia dançar, mas contou-me que sabia fazer casaquinhos de lã, me falou sobre seus netos e as dúzias de casaquinhos que havia feito para eles.
Dona Joana era menina pobre, precisou cuidar dos irmãos mais novos e por isso não frequentou o Mobral, mas aprendeu a escrever seu próprio nome e ler um pouco. Disse-me que a melhor parte de saber ler e escrever, é não precisar pedir informação sobre qual o ônibus precisava pegar e o melhor de tudo, não precisava mais sujar seus dedos para marcar documentos com digitais, bastava assinar.
Dona Joana sabia assinar, o que ela não sabia era dançar.
Ela sabia lavar, passar, limpar, cozinhar, pintar guardanapos e contar historias.
Dona Joana quando virou moça, tinha vergonha dos rapazes, se achava baixinha demais, feia demais, pobre demais e não sabia dançar.
Nas quermesses do padre Antônio, Joana era convidada especial, ajudava a cuidar das barracas e fazia os melhores doces da quermesse - dizia Padre Antônio.
Dona Joana, ou joaninha para os íntimos, ficava lisonjeada por ser elogiada pelo santo padre que por sinal também tinha nome de santo.
Dona Joana cresceu, mas continuou fazendo roupas de boneca para as meninas, secretamente ela brincava também e imaginava que todas as bonecas formavam um grupo de balé.
O seu primeiro namorado era moço serio trabalhador e tinha até uma bicicleta nova, mas o namoro durou pouco. O rapaz sempre queria fazer coisas com as quais Joaninha não concordava.
Todos se perguntavam, porque Joaninha não queria mais namorar aquele moço tão distinto e trabalhador que ainda por cima tinha uma bicicleta nova?
Dona Joana sabia o que queria, o que ela não sabia era dançar.
Depois de alguns anos sem que ninguém esperasse Dona Joana se casou.
Dona Joana foi feliz, teve filhos, trabalhou, foi mãe e dona de casa, que segundo ela era a segunda profissão mais difícil do mundo.
- Ser dona de casa é a segunda profissão mais difícil do mundo? – Perguntei.
- Sim meu filho - Me responde Dona Joana apoiada em meu braço.
- E qual é a primeira? Perguntei.
- É a das bailarinas meu filho.
- Existem aquelas que fazem rodopios no ar.
- Algumas dançam com rodinhas nos pés, já imaginou meu filho? E elas precisam treinar todo dia, ficam cheias de calos, mas eu acho que calo é igual dificuldade. Todo mundo tem as suas.
Eu apenas meneio a cabeça concordando, afinal não tem como discordar de Dona Joana.
Dona Joana ficou viúva muito cedo, mas não se casou novamente. Dona Joana sabia que existem coisas que não podem ser substituídas, o que Dona Joana não sabia era dançar.
Conheci Dona Joana em um asilo, disse a ela que gostaria de escrever algo sobre sua historia.
Dona Joana me disse encabulada – Mais meu filho, quem é que vai ler essas coisas de uma velha que só sabe assinar o nome e ler o nome do ônibus?
Eu apenas ri com vontade de chorar, As Donas Joanas que existem espalhadas por ai não fazem ideias de como seu jeito simples e despojado faz falta em nossos dias atuais cheios de etiquetas e vazios de sentimentos.
Dei um grande beijo em Dona Joana e me despedi.
Depois de um mês voltei a Ver Dona Joana, e ela me perguntou:
- Já escreveu?
Ao que respondi que não, pois ainda não tivera tempo.
Dona Joana fez um ar sério, coçou a cabeleira branca me olhou nos olhos e perguntou; Você pode escrever que eu gosto de dança?
- Claro - respondi.
- Eu posso escrever o que a Senhora pedir.
- Escreva o que você achar melhor meu filho, eu não entendo nada dessas coisas de escrever, mas não esqueça que eu gosto de dança – Disse Dona Joana com um sorriso envergonhado.
Eu sorri e disse que o que eu gostaria de fazer era uma espécie de homenagem, e ali sentados continuamos a papear.
Ela me falou sobre sua vida, sobre seus filhos que a visitavam cada vez menos e sobre o último casaquinho de lã que havia feito.
Falou sobre sonhos, pessoas, família e é claro sobre dança. Disse-me que seu único arrependimento em vida era não ter aprendido a dançar.
- Eu acho que quando agente é pequeno deviam ensinar agente a dançar, do mesmo jeito que ensinam a não falar palavra feia e obedecer aos pais – Disse Dona Joana. E eu concordei plenamente.
Faz cinco meses que Dona Joana faleceu.
Dona Joana não ouviu esse texto ser lido como prometi, mas li depois em uma sessão especial de leitura só para ela.
Em meio a um mundo cada vez mais separado e hipócrita, encontrar esses pequenos milagres do mundo que nos fazem rir, pensar e entender como o mundo é grande e a vida pequena é um privilegio.
Dona Joana não sabia dançar, mas escreveu seu nome diversas vezes num caderninho para treinar a assinatura.
Dona Joana fez dezenas de casaquinhos, mesmo sem a certeza de que seriam entregues, pois certa vez me disse que o importante era sempre fazer algo.
Dona Joana está feliz e com certeza já aprendeu a dançar.
Dona Joana era uma dessas pessoas fantásticas que agente ama de graça a primeira vista.
Ela sabia tudo sobre sonhos, criar filhos, viver, sorrir nas horas difíceis e contar historias maravilhosas.
O que Dona Joana não sabia era dançar, mas isso foi resolvido. Pois posso vê-la cercada por anjos que lhe ensinam todos os passos, nos intervalos para descanso Dona Joana conta uma de suas historias maravilhosas e os anjos se divertem a valer.
É fundamental conhecer pessoas assim.
É mais fundamental ainda depois de conhecê-las, fazer aulas de dança.


Paulo Joaquim (P.J).

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