Dona Joana não sabia dançar, mas sabia falar e
sorrir bastante.
Andava com dificuldade, mas andava sem a ajuda de
bengala e tinha a mente lúcida.
Dona Joana não sabia dançar, mas contou-me que sabia
fazer casaquinhos de lã, me falou sobre seus netos e as dúzias de casaquinhos
que havia feito para eles.
Dona Joana era menina pobre, precisou cuidar dos
irmãos mais novos e por isso não frequentou o Mobral, mas aprendeu a escrever
seu próprio nome e ler um pouco. Disse-me que a melhor parte de saber ler e
escrever, é não precisar pedir informação sobre qual o ônibus precisava pegar e
o melhor de tudo, não precisava mais sujar seus dedos para marcar documentos
com digitais, bastava assinar.
Dona Joana sabia assinar, o que ela não sabia era
dançar.
Ela sabia lavar, passar, limpar, cozinhar, pintar
guardanapos e contar historias.
Dona Joana quando virou moça, tinha vergonha dos
rapazes, se achava baixinha demais, feia demais, pobre demais e não sabia
dançar.
Nas quermesses do padre Antônio, Joana era convidada
especial, ajudava a cuidar das barracas e fazia os melhores doces da quermesse
- dizia Padre Antônio.
Dona Joana, ou joaninha para os íntimos, ficava
lisonjeada por ser elogiada pelo santo padre que por sinal também tinha nome de
santo.
Dona Joana cresceu, mas continuou fazendo roupas de
boneca para as meninas, secretamente ela brincava também e imaginava que todas
as bonecas formavam um grupo de balé.
O seu primeiro namorado era moço serio trabalhador e
tinha até uma bicicleta nova, mas o namoro durou pouco. O rapaz sempre queria
fazer coisas com as quais Joaninha não concordava.
Todos se perguntavam, porque Joaninha não queria
mais namorar aquele moço tão distinto e trabalhador que ainda por cima tinha
uma bicicleta nova?
Dona Joana sabia o que queria, o que ela não sabia
era dançar.
Depois de alguns anos sem que ninguém esperasse Dona
Joana se casou.
Dona Joana foi feliz, teve filhos, trabalhou, foi
mãe e dona de casa, que segundo ela era a segunda profissão mais difícil do
mundo.
- Ser dona de casa é a segunda profissão mais
difícil do mundo? – Perguntei.
- Sim meu filho - Me responde Dona Joana apoiada em
meu braço.
- E qual é a primeira? Perguntei.
- É a das bailarinas meu filho.
- Existem aquelas que fazem rodopios no ar.
- Algumas dançam com rodinhas nos pés, já imaginou
meu filho? E elas precisam treinar todo dia, ficam cheias de calos, mas eu acho
que calo é igual dificuldade. Todo mundo tem as suas.
Eu apenas meneio a cabeça concordando, afinal não
tem como discordar de Dona Joana.
Dona Joana ficou viúva muito cedo, mas não se casou
novamente. Dona Joana sabia que existem coisas que não podem ser substituídas,
o que Dona Joana não sabia era dançar.
Conheci Dona Joana em um asilo, disse a ela que
gostaria de escrever algo sobre sua historia.
Dona Joana me disse encabulada – Mais meu filho,
quem é que vai ler essas coisas de uma velha que só sabe assinar o nome e ler o
nome do ônibus?
Eu apenas ri com vontade de chorar, As Donas Joanas
que existem espalhadas por ai não fazem ideias de como seu jeito simples e
despojado faz falta em nossos dias atuais cheios de etiquetas e vazios de
sentimentos.
Dei um grande beijo em Dona Joana e me despedi.
Depois de um mês voltei a Ver Dona Joana, e ela me
perguntou:
- Já escreveu?
Ao que respondi que não, pois ainda não tivera
tempo.
Dona Joana fez um ar sério, coçou a cabeleira branca
me olhou nos olhos e perguntou; Você pode escrever que eu gosto de dança?
- Claro - respondi.
- Eu posso escrever o que a Senhora pedir.
- Escreva o que você achar melhor meu filho, eu não
entendo nada dessas coisas de escrever, mas não esqueça que eu gosto de dança –
Disse Dona Joana com um sorriso envergonhado.
Eu sorri e disse que o que eu gostaria de fazer era
uma espécie de homenagem, e ali sentados continuamos a papear.
Ela me falou sobre sua vida, sobre seus filhos que a
visitavam cada vez menos e sobre o último casaquinho de lã que havia feito.
Falou sobre sonhos, pessoas, família e é claro sobre
dança. Disse-me que seu único arrependimento em vida era não ter aprendido a
dançar.
- Eu acho que quando agente é pequeno deviam ensinar
agente a dançar, do mesmo jeito que ensinam a não falar palavra feia e obedecer
aos pais – Disse Dona Joana. E eu concordei plenamente.
Faz cinco meses que Dona Joana faleceu.
Dona Joana não ouviu esse texto ser lido como
prometi, mas li depois em uma sessão especial de leitura só para ela.
Em meio a um mundo cada vez mais separado e hipócrita,
encontrar esses pequenos milagres do mundo que nos fazem rir, pensar e entender
como o mundo é grande e a vida pequena é um privilegio.
Dona Joana não sabia dançar, mas escreveu seu nome
diversas vezes num caderninho para treinar a assinatura.
Dona Joana fez dezenas de casaquinhos, mesmo sem a
certeza de que seriam entregues, pois certa vez me disse que o importante era
sempre fazer algo.
Dona Joana está feliz e com certeza já aprendeu a
dançar.
Dona Joana era uma dessas pessoas fantásticas que
agente ama de graça a primeira vista.
Ela sabia tudo sobre sonhos, criar filhos, viver,
sorrir nas horas difíceis e contar historias maravilhosas.
O que Dona Joana não sabia era dançar, mas isso foi
resolvido. Pois posso vê-la cercada por anjos que lhe ensinam todos os passos,
nos intervalos para descanso Dona Joana conta uma de suas historias maravilhosas
e os anjos se divertem a valer.
É fundamental conhecer pessoas assim.
É mais fundamental ainda depois de conhecê-las,
fazer aulas de dança.
Paulo Joaquim (P.J).
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