João corria pela rua.
Enquanto corria chutava pedras, latas, poças d’água
ou qualquer coisa que encontrasse.
O tênis de João tinha buracos.
Sua mãe sempre dizia: João não chute tudo pelo
caminho moleque, não vê que assim estraga o tênis!
João apenas sorria, era moleque demais para entender
o que significava comprar um tênis novo, mesmo porque, sempre herdava o tênis e
ás roupas dos irmãos mais velhos.
João era alegre, era impossível olhar para aquele
moleque e não vê-lo sorrindo.
Maria chegou à escola.
O carro era bonito, mas Maria era muito mais.
Seus olhos eram claros, sua pele de uma brancura
angelical, seus sapatinhos com um laço de fita estavam impecavelmente limpos,
seu vestido parecia feito para bonecas, mas era isso mesmo que Maria era - Uma
boneca.
João como sempre estava correndo, ele e meia dúzia
de moleques brincavam, seus cabelos estavam desgrenhados e suas roupas sujas.
João havia
perdido um dente de leite, mas era um banguela simpático, jogou seu dente no
telhado, fez um pedido e foi viver a vida, e que vida!
A vida de João era uma correria. Estudava pela
manhã, ajudava o pai na feira, jogava bola, enxia o saco de sua mãe, e para fechar
com chave de ouro, brincava de esconde-esconde e pega-pega até sua mãe dizer
que era hora do banho e do jantar.
Maria fazia aulas de dança, inglês e tocava piano.
A professora de Maria dizia que a menina era uma
dádiva, mas Maria não se sentia assim.
Às vezes Maria gostava de ficar trancada em seu
quarto pensando na vida, em alguns momentos seu semblante era triste.
A professora de João conversava com sua mãe na
reunião:
- Dona Silvia, precisamos aconselhar o João, ele não
se dedica, suas notas estão baixas e ele lê muito mal.
Dona Silvia coçava os cabelos balançava a cabeça e
dizia:
- Esse menino não tem jeito não Dona Fessora, é bom
menino, mas sempre foi assim. João
estava atrasado duas séries.
Maria estava em uma festa. As pessoas eram adultas e
Maria tentava se comportar como uma delas. O pai de Maria trabalhava em um
banco importante, portanto ia a festas importantes com pessoas importantes, e
Maria que não via nada de importante naquilo acompanhava os pais.
João resolveu que iria estudar, pois caso não
estudasse iria ser reprovado mais uma vez.
Maria não teve problemas com as provas finais, era
uma das primeiras de sua classe e foi aprovada com louvor.
João se preparava para o momento da ceia de natal.
Sua mãe lhe pedia paciência, explicava que aquela era uma data importante,
falava sobre o menino Jesus, sobre a manjedoura e tudo mais, mas João queria
mesmo era abrir seu presente e atacar a comida.
Na pequena casa de João tudo era festa, pessoas que
eram parentes ou não, se acomodavam como podiam, afinal a galinhada da Dona
Silvia ninguém podia perder.
Dona Silvia estava transbordando de alegria, João
fora aprovado, recebeu até elogios de sua professora.
João ainda não sabia, mas seu pai iria lhe fazer uma
surpresa.
Quando o relógio marcou meia noite, Dona Silvia
pediu silencio e todos começaram a rezar um pai nosso. Logo em seguida o som
foi ligado e todos se entregaram a alegria do natal.
O pai de João era feirante, homem simples e humilde,
mas de um caráter irrepreensível.
Foi até a pequena árvore de natal, e de lá tirou um
pequeno embrulho, olhou para João com lágrimas nos olhos e disse - Filho! Isso
é para você.
João não conseguia acreditar no que viu quando
desembrulhou o pacote.
Um tênis novinho brilhava bem na sua frente. João
pulou no pescoço do pai e lhe beijou durante meia hora, finalmente teria um
tênis mais resistente para chutar pedras, latas, poças de lama e etc...
Maria estava sentada ao lado de uma de suas primas,
a mesa era grande e a ceia era farta.
Maria ganhou novos vestidos, bonecas, sapatos e
ganhou também um lindo caderno de desenho que usaria no próximo ano da escola.
Mas Maria não se sentia bem, estava com um pouco de
febre, a babá sempre dizia:
- Essa menina tem uma saúde muito frágil, é preciso
tomar cuidado, e nunca tomar friagem.
A diretora queria falar com João, lhe explicou que
naquele ano ele estudaria em uma nova sala e com novos amigos, pediu-lhe também
que ele repetisse o sucesso do ano anterior e desejou-lhe boa sorte.
João estava atrasado, chegou até a porta e parou,
conferiu o numero da sala e viu um monte de gente que não conhecia, a
professora olhou para ele e com um sorriso pediu que entrasse.
A professora disse aos demais:
- Pessoal este é o nosso novo amigo João, e este ano
ele estudará conosco.
João ficou embaraçado quando todos os olhares se
voltaram para ele, buscou com os olhos um lugar vago e sentou-se.
João passou alguns minutos buscando um rosto
familiar, mas não encontrou nenhum.
A professora então chamou:
- Maria você poderia ler o texto para a classe?
Maria estava sentada na primeira fileira,
levantou-se e foi à frente da classe.
João depois de mil anos não poderá explicar o que
sentiu naquele momento.
Meu Deus ele pensou - Como seu olho é claro, como
sua pele é branca, como seus sapatos são limpos, e que vestido era aquele?
Parecia vestido de boneca!
João não se deixou impressionar apenas pelo sapato,
afinal seu tênis também era novinho em folha, pelo menos até encontrarem os
primeiros obstáculos pelo caminho.
Durante o intervalo, um acidente tirou o sorriso do
rosto de João, Pereba seu melhor amigo sem querem derrubou seu pão com ovo.
Maria que assistia a tudo sorriu.
João não estava com tanta fome assim e também estava
sem animo para brincadeiras, algo naquela manhã havia mexido com João, e ele
não parava de pensar - Que pele branca, que olho claro e o vestido então!
João resolveu que naquele dia não iria brincar,
apenas sentou-se em um canto e lá ficou ouvindo os gritos dos amigos que lhe
chamavam para a brincadeira.
Quer um pedaço de bolo? - Perguntou Maria.
João se levantou com um pulo - Que olho era aquele
pensava João, e o vestido então!
João pegou um naco de bolo e colocou na boca, só depois
percebeu que o pedaço era grande demais, ficou com a boca cheia e as bochechas
vermelhas enquanto mastigava. Maria apenas sorria.
Você devia estar mesmo com fome - Disse Maria
sorrindo.
João sem saber o que dizer, apenas balançava a
cabeça e tentava engolir o bolo.
Vamos até o rio depois da aula? - Perguntou João.
Por que quer me levar até o rio? - Perguntou Maria.
Hora você me deu bolo, e eu quero te agradecer -
Disse João.
Era o tipo mais estranho de agradecimento que Maria
tinha visto, mas aceitou assim mesmo.
Maria aprendeu a nadar no rio com João.
João aprendeu a estudar com Maria.
Maria aprendeu a sorrir com João.
João e Maria fizeram uma trilha de migalhas.
João aprendeu que não devia chutar tudo que
encontrava pela frente com Maria.
Eles estão juntos por ai em algum lugar.
Sofreram enfrentaram preconceitos e discriminações,
mas resolveram fazer uma trilha de migalhas.
João se formou com a ajuda de Maria.
Maria compôs uma musica em seu piano para João.
João e Maria tiveram filhos, brigaram,
desentenderam-se, expuseram todas as suas diferenças. João e Maria tiveram
fracassos e sucessos, riram e choraram juntos, passaram por toda sorte de
dificuldades, mas fizeram uma trilha de migalhas.
João é um homem melhor a cada dia com a ajuda de
Maria.
Maria é uma mulher que encontrou significado nas
coisas simples com João.
A profissão deles não importa.
A família rica de Maria tentou, mas não conseguiu
seguir a trilha de migalhas.
A família pobre de João preocupava-se que a trilha
de migalhas fizessem ambos se perderem ao longo do caminho.
João e Maria fizeram guerra de travesseiros, fizeram
economia, assaram um bolo e tomaram banho de mangueira fingindo que era uma
cachoeira.
João e Maria não
deixaram uma trilha de migalhas para marcar o caminho, afinal eles não estavam
perdidos e não pretendiam voltar atrás, apenas descobriram que seu status, seu
tênis velho, a cor da sua pele, suas diferenças e tudo o mais precisam virar
migalhas.
João segurou a mão de Maria.
Maria segurou a mão de João.
E foi assim, que João e Maria descobriram que é de
mãos dadas que fazemos a trajetória dessa estrada que chamamos de vida, pois
sem uma mão firme e companheira, a jornada não faz o menor sentindo e todo o
resto é apenas migalhas.
Todos concordavam que uma trilha de migalhas era
útil, como no conto de João e Maria, pois na vida todos podem se perder ou sair
do caminho.
Nosso João e nossa Maria descobriram que é
justamente transformando certas coisas em migalhas que a gente se encontra e
acha o caminho.
Paulo Joaquim (P.J).
Nenhum comentário:
Postar um comentário