José apertou o botão de numero vinte e sete no
painel do elevador.
Todos cumprimentavam José com respeito e admiração,
não era pra menos, já que José era o dono de todo aquele lugar.
José não dizia nada, mas em segredo gostava daquela
bajulação.
Sua maleta cheirava a couro legitimo, seu terno
estava impecável como sempre.
Quem o observava tinha facilmente a impressão de que
ele havia nascido para aquilo.
Olhar compenetrado, semblante altivo e uma postura
que impunha respeito.
E assim, José caminhava para aquele que seria o seu
primeiro dia naquele prédio.
Após muitos anos de trabalho, José estava ágora
subindo os andares de seu sonho mais ambicioso. O edifício era lindo, as
janelas tinham vidros espelhados, a recepção tinha mesas de mármore e todos os
andares tinham ar condicionado e jardim de inverno.
Estava tudo pronto para receber o Senhor José, como
todos o chamavam.
O café estava quente, os biscoitos servidos e meia
dúzia de secretarias aguardavam as ordens do dia.
O elevador finalmente chegou ao seu destino, às
portas se abrem e um José radiante vai até a sua sala. O próprio José havia
elaborado o projeto para aquela sala. Era espaçosa e as vidraças eram
totalmente transparentes.
- Eu quero ver o mundo aqui de cima – Dizia José.
José gostou daquilo que viu, sua mesa era de madeira
de lei, quadros com temas clássicos enfeitavam as paredes, um belo carpete
cobria todo o chão e um confortável sofá completava a mobília.
José observava tudo com calma, degustando cada
detalhe, inspecionando cada canto e sorrindo por dentro de tanto contentamento.
Até aquele momento sua vida havia sido feita de
vitórias, seus sonhos haviam se tornado realidade, seu trabalho e perseverança
haviam dado frutos e aquele prédio era a maior prova disso.
Seu prédio, sua empresa e centenas de funcionários
ao seu dispor. Cabia a José continuar trabalhando e aumentar o seu império.
José se aproximou das vidraças transparentes de onde
podia ver o mundo, mas infelizmente naquela manhã algo saiu errado. A mãe
natureza, totalmente desavisada dos planos de José, colocou nuvens enormes no
céu impedindo assim que ele comtemplasse o mundo como havia planejado.
José estava sozinho em sua sala, e se perguntava
como aquelas nuvens podiam ter a ousadia de estragar um dia que deveria ser
perfeito.
José praguejou contra a nuvem. José sabia fazer-se
obedecer, sabia conquistar o que queria, mas quanto às nuvens não havia muito
que fazer a não ser esperar que elas se dissipassem e mostrassem um lindo dia
ensolarado, para que assim José pudesse contemplar o mundo de seu pequeno mundo
envidraçado.
Mas existem momentos na vida, que não avisam quando
vão chegar, pois não estão programados não podem ser calculados ou previstos e
não dependem de nuvens.
José voltava para sua mesa quando viu sobre ela algo
que não tinha colocado ali.
A moldura estava gasta pelo tempo e a foto era em
preto e branco, mas José podia identificar facilmente aquele rosto – Era seu
pai!
José sentou-se em sua cadeira de couro e segurou
aquele pequeno tesouro em suas mãos.
Seu pai era um homem de caráter e José gostaria
muito que ele estivesse ali para assistir o seu sucesso, o que infelizmente não
era possível, pois aquele homem admirável havia falecido assim que José sairá
da Faculdade.
Aquele dia estava planejado para ser um dia de
comemoração dos sucessos conquistados, mas olhando a foto de seu velho pai,
José pensava apenas em tudo e todos que já havia perdido.
Lembrou-se de sua infância e da escola.
Sua família era muito simples e pobre, José ia para
a escola com as roupas que eram doadas pelos amigos da família.
O pai de José era funcionário de uma grande empresa,
mas era apenas um faxineiro e seu salario era o suficiente apenas para o
alimento e as prestações da pequena casa onde viviam. A mãe de José costurava
em uma velha maquina e com o pouco que ganhava ajudava o marido com as
despesas.
José começou a trabalhar muito cedo e muito cedo
aprendeu o significado da palavra dificuldade, era difícil trabalhar e estudar.
Mas José tinha aquele tipo de força que move aqueles que enfrentam
dificuldades, mas não aceitam serem tragados por elas.
José estudou e trabalhou muito, fazia pequenos bicos
com o pai nos fins de semana e juntava algum dinheiro para a faculdade.
A comida era simples, as roupas eram simples, mas os
sonhos eram enormes e como não existe nenhuma critica ou pessoa que consiga
derrubar grandes sonhos, José pouco a pouco viu sua vida mudar. Seu pai com
muito empenho e muita faxina, conseguiu realizar o sonho de ver José em uma
faculdade.
A vida da família estava melhorando, mas uma única
coisa nunca mudava, seu pai e sua mãe eram as mesmas criaturas simples de
sempre, certo dia depois de conseguir um novo emprego José chegou em casa
radiante disposto á levar os pais para jantar fora e comemorar a nova
conquista.
Os pais de José se recusaram na mesma hora, sua mãe
lhe disse que podiam comemorar ali mesmo, pois havia preparado galinhada seu
prato favorito, além do mais não possuía roupas para frequentar restaurantes. O
pai de José lhe disse que podia se atrapalhar com os talheres de um
restaurante, mas concordava em comemorar com aquele lanche que José lhe trazia
de vez em quando da rua.
José mesmo com a recusa dos pais, saiu com um
sorriso no rosto para buscar o lanche do qual o pai tanto gostava. O lanche era
simples, feito com tomate alface e frango, seu pai chamava de lanche da preta,
pois se lembrava de que no sitio de seu falecido avô havia uma galinha com esse
nome – José gargalhava com as histórias do pai.
Poucos meses após o fim da faculdade, o pai de José
faleceu meses depois sua mãe foi ao encontro do esposo.
Em todos esses anos e até aquele momento, José não
havia parado realmente para pensar naquilo, e foi assim que José descobriu que
precisava chorar.
E chorou. Chorou lembrando-se da vergonha que sentia
na infância por saber que seu pai limpava banheiros, chorou, pois se lembrou de
que entre tantos funcionários não conhecia nem mesmo meia dúzia pelo nome,
chorou, pois sabia que tudo que havia conquistado jamais substituiria aquilo
que havia perdido – José havia perdido sua humanidade.
José chamou uma de suas secretarias e inquiriu dela
quem havia colocado aquela foto em sua mesa, pois a ordem não havia partido
dele.
A secretaria prometeu que descobriria isso o mais
rápido possível, mas ficou preocupada em ver que o patrão tinha os olhos rasos
d'água.
José chorava, pelos amigos dos quais tinha se
afastado, chorava pelas pessoas que havia magoado enquanto construía seu
império.
Minutos depois sua secretaria surge com uma senhora
que José não reconheceu de imediato.
Dona Helena era uma adorável senhora de sessenta
anos, as rugas pelo rosto deixavam transparecer uma vida difícil e pelo
uniforme que vestia José não teve duvidas - Dona Helena era uma das faxineiras
de seu prédio.
- Senhor José, esta é a Dona Helena nossa faxineira,
ela diz que lhe conhece, diz também que foi ela quem colocou a foto em sua mesa
depois que acabou de limpa-la.
José pediu para ficar á sós com aquela pequena
mulher de ar assustado.
- De onde a senhora me conhece? – perguntou José.
- Depois que seu pai faleceu, sua mãe ficou muito
doente o senhor tinha acabado de terminar seus estudos e não podia ficar em
casa, sempre fui vizinha e amiga de sua família e o senhor me convidou para
trabalhar em sua casa e cuidar de sua mãe, meses depois infelizmente ela se
foi.
O senhor me disse que estava montando um pequeno
escritório e me ofereceu novamente um emprego, nos últimos dezessete anos a
cada novo escritório eu tenho lhe acompanhado e aqui estou.
- Passei muito tempo com sua mãe, mas conheci pouco
o seu pai. Sua mãe falava dele como quem fala de um herói, me falou sobre os
sonhos que ele tinha para o senhor e me falava da certeza que ele tinha de que
o senhor venceria nessa vida. Foi por isso que achei que o senhor ficaria
contente em vê-lo todos os dias sobre a sua mesa.
José não deixou mais a mulher falar, pois sabia que
as lágrimas voltariam a qualquer momento.
Pediu para que Dona Helena ficasse na sala e chamou
vários funcionários, apertou a mão de todos que chegavam e apresentou todos á
Dona Helena. Deu ordem para que os móveis fossem tirados e levados para um
escritório no andar térreo.
Disse para Dona Helena que não queria mais olhar o
mundo de cima, iria se dedicar a olhar as pessoas.
Dona Helena não entendeu absolutamente nada, mas
ficou feliz quando recebeu um abraço do patrão e desceu pelo elevador com ele e
a foto de seu pai.
- Dona Helena eu preciso de dois favores – Pediu
José.
- Procure, por favor, uma foto de minha mãe, pois os
dois faziam um belo par e quero eles sempre aqui em minha mesa. O segundo favor
e mais simples, é quase hora do almoço e eu gostaria muito de comer um daqueles
lanches com alface, tomate e carne de frango, esse lanche me faz lembrar a
preta, uma galinha de estimação de meu avô.
Dona Helena caiu na gargalhada, mas prometeu
conseguir o lanche.
José estava na sua sala do piso térreo e olhou pela
janela, o céu estava azul e as nuvens haviam se dissipado ele resolveu fazer um
passeio por todas as salas de seu prédio, por onde passava recebia um olhar
assustado e em troca retribuía com um sorriso nos lábios.
José estava voltando a viver, enquanto seu pai e sua
mãe cheios de orgulho lhe observava de cima de sua mesa.
Existirão dias em que as nuvens vão nos impedir de
ver o céu, mas podemos sempre olhar a nossa volta. E acredite, dependendo do
que, e quem te cerca, pode ser uma visão maravilhosa.
Algumas nuvens em nosso céu particular podem
distorcer uma verdade que precisa ser lembrada constantemente – Não importa
para onde você vai, importante mesmo é como você trilha o caminho e quem estará
ao seu lado durante a jornada.
Paulo Joaquim (P.J).
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