segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Cartas de um homem livre.

Cartas de um homem livre

Minha cela é pequena.
Não posso afirmar que todas as celas deste lugar são iguais, pois quando aqui cheguei, tinha minha cabeça coberta por um capuz.
Existe uma pequena janela voltada para o oriente, daqui posso ver a copa de uma grande árvore, e o sol todos os dias vêm me avisar que é preciso acordar e viver mais um dia.
Não posso dizer exatamente á quanto tempo estou aqui, pois minha mente já entrou em estado de anestesia, onde apenas aceitamos um dia após o outro.
Aqui eu não ouço nenhuma musica, não tenho livros para ler e a única beleza que contemplo é a copa de uma árvore.
Não existe contato visual, pois os guardas colocam minha porção diária de comida através de uma abertura na porta.
Alguns ratos me visitam esporadicamente, guardo sempre um pouco de comida para dar a um deles, afinal assim posso fazer um novo amigo.
Lá fora no mundo real, sei que existem homens que são amigos de ratos.
Em dias ensolarados, os passarinhos sobrevoam a copa da árvore e eu me alegro com aquele belo espetáculo, a distancia não me permite dizer se é uma árvore frutífera ou não, mas sei que devem existir alguns ninhos por lá.
Quando a noite chega à solidão aperta mais um pouco, em dias de céu claro posso ver as estrelas e ouço o barulho das corujas.
Viajo em meus sonhos, pois quando durmo ou quando penso sou um homem livre.
O que esta preso é um corpo, mas os homens jamais conseguirão prender ideias e sonhos.
Tenho todo tempo do mundo para pensar e planejar, mas não planejo uma fuga e não penso em cortar as barras de ferro, é claro que sem as barras eu poderia comtemplar melhor a copa daquela árvore, mas tudo que penso é sobre a vida, tudo que planejo é não morrer aqui.
Sinto saudades do gosto da água, do gosto dos alimentos, do doce das frutas e do beijo daquela que sempre amei.
Certa vez ouvi de alguém mais sábio do que eu, que é quando estamos sós que devemos enfrentar a multidão.
Hoje sei o que este sábio queria me dizer, pois quando estamos sós, estamos com uma multidão de lembranças, uma multidão de decepções e sonhos.
Quando estamos sós, podemos fantasiar e sonhar, mas também podemos nos entregar as coisas dolorosas, pois as lembranças do vento fresco no rosto me fazem chorar e o desejo de ver um campo florido e correr livremente nele, me fazem sonhar.
Meus cabelos estão embaraçados e minha barba por fazer, mas ontem á noite uma chuva forte caiu, com a ajuda do prato que me servem a comida consegui apanhar algumas gotas, com elas lavei meu rosto e senti o cheiro da chuva, o cheiro da terra sendo fecundada pela água.
Esses pequenos milagres se tornam algo maior do que aquilo que eu mesmo sou, pois quando em liberdade caminhando nos campos, eu praguejava contra essa mesma chuva que molhava minhas roupas e sujava de lama minhas botas.
Eu sou um homem livre e por isso ontem a noite fui visitar outras galáxias, vi mundos desconhecidos e lá, estavam pessoas que eu conhecia muito bem.
Em uma de minhas viagens, visitei a minha amada, ela me recebeu com um sorriso e me disse que estava a minha espera. Eu levei-lhe um buque de flores que colhi no campo, tínhamos um bom vinho, conversamos, rimos, bebemos vinho e fizemos amor à noite inteira.
Encostado na parede de minha cela me lembro de uma canção, e começo a assoviá-la, é a canção de minha infância.
A canção diz que não tenho nada a temer, diz que ao lado de todos nós existe um anjo pronto para abrir suas asas e nos proteger é uma bela canção, sim senhor!
Ouço um barulho que conheço bem, a portinhola se abre com aquele barulho de ferrolhos enferrujados, sei que é aquela comida com a qual meu paladar já se acostumou por não ter outra opção.
Mas as mãos que passam por aquela abertura, não deixam ali um prato como de costume, aquelas mãos deixam no chão um pedaço de papel enrolado, aquelas mãos se demoram, como se dissessem – Oi, leia com atenção, pois isso é importante!
Depois que aquelas mãos se retiram me aproximo com cuidado, vejo que o papel é maior do que eu havia imaginado.
Começo a desenrola-lo, no topo lê-se o titulo – Coisas Que Você Prometeu a Si mesmo.
Eu assustado, porém entusiasmado começo a ler.
Prometo que jamais me deixarei aprisionar, pois as maiores e piores prisões são aquelas nas quais estamos livres, mas não agimos por medo e inercia.
Prometo que contemplarei todas as copas das árvores que puder, pois os passarinhos me ensinarão como construir ninhos que suportem ventos e tempestades.
Prometo dedicar algumas de minhas noites ao céu, vou admirar suas estrelas e observar seu movimento cíclico e calmo.
Prometo dedicar noites e mais noites de minha vida a mulher que amo, pois ela merece meu amor sem medidas, sem medos e sem porquês.
Prometo que jamais permitirei que coloquem capuzes sobre minha cabeça, me impedindo assim de enxergar o oriente.
Prometo que aprenderei e mudarei de ideias, porém jamais abandonarei os princípios nos quais acredito e nem tão pouco deixarei que aprisionem minhas ideias e ideais.
Prometo que construirei felicidade com o pouco que tiver em minhas mãos, assim como dividirei esta felicidade com todos aqueles que vagam em busca de beleza e sabedoria como eu.
Depois de ler minhas promessas, tomei nova consciência.
Entendi que em alguns casos a prisão é opcional, entendi que podemos nos tornar prisioneiros de outros e de nós mesmos.
Olhei para o oriente, mas a janela não estava lá, a parede não estava lá, pude ver agora não apenas a copa da árvore, mas a árvore inteira. Pude ver também que era uma árvore frutífera, já não existia muros, já não existia escuridão, já não existia solidão e já não existia prisão.
Caminhando para fora daquela que até então era minha cela, me peguei pensando – Deus como podem construir muros, construir grades e aprisionar pensamentos, sonhos, amores se somos todos enfim...
...Livres.

P.J. S

2 comentários:

Unknown disse...

É...a frase é boa por causa disso..." Parecemos tão livres....e estamos tão encadeados..."
Liberdade e prisão tem pesos e medidas diversos...pois estes são definidos pelo estado de espírito....pela fé...pelo caminho que se escolhe seguir!
Não posso negar que em determinados momentos se torna quase impossível não nos fazermos prisioneiros daquilo que sentimos e queremos....e consequentemente....sofremos!
É dificil esse tal equilíbrio...por vezes acho até que não conseguirei aprender....mas logo vem outro amanhecer e a vida se encarrega de nos mostrar que à cada, basta seus males e à cada dia somos presenteados de oportunidades....é só deixar fluir....estar atento....e correr atras daquilo que nos cabe, né?

bj grande!
Adorei seu texto!

Fran disse...

Oi amigo, somos prisioneiros de nós mesmos e a rotina faz isso por nós... belo texto. Obrigada por me lembrar que sou livre...
Bjs se cuida.