sábado, 29 de setembro de 2012

O homem sentado


Havia um homem sentado à beira do caminho.

Reza a lenda, que este homem empoeirado e com olhar distante um dia foi um bravo guerreiro.

A lenda diz que ele já esteve em um caminho de coração. Que ele sabia conversar com Deus e que, de fato, bebia vinho e brindava a vida em companhia de anjos.

Mas o homem se cansou de caminhar. Sentou a beira do caminho e ali ficou, imóvel, vendo os outros que passavam.

Os anjos pararam de visitá-lo, e um dia, ele parou de conversar com Deus.

O homem sentado à beira do caminho está em silêncio. Dizem que antigamente seus sonhos brilhavam como as estrelas e eram fortes como uma tempestade no mar.

Mas agora, não há brilho algum no homem sentado à beira do caminho!

O homem sentado à beira do caminho almejava vitórias, desbravar o desconhecido e descobrir mundos novos. Seu desejo era de descobrir a magia que existe por trás de cada pequeno gesto e de saborear a sensação de saber que cada passo seu contaria uma história a quem viesse mais atrás no caminho. Seu desejo era ser um eterno viajante da estrada.

Mas o homem sentado à beira do caminho certa vez sentiu medo. Medo de não ter um abrigo pela estrada na próxima chuva. Teve medo de sentir sede e ser enlouquecido pelo calor do sol. Teve medo de não ter o que mastigar além dos grãos de poeira que já se quebravam entre seus dentes. O homem sentado à beira do caminho sentiu medo de não ser bom o bastante. Ele teve medo de fracassar.

Convidado pelo medo das coisas e do mundo, o homem que caminhava sentou-se à beira do caminho, à sombra de uma bela árvore que perfumava com frescor o ambiente a sua volta, suavizava o calor e o amparava do incomodo da chuva.

O homem que caminhava agora havia sentado, e ali gozava da segurança que seus medos prometiam tirar-lhe, se seus pés continuassem a seguir um à frente do outro. O homem que caminhava decidiu que iria parar, e que suas lembranças um dia o ajudariam a buscar por algo que ele, na verdade, não queria pensar agora, porque só de pensar, a segurança da sombra da árvore parecia tentar fugir do seu coração.

O homem que caminhava, inconscientemente, decidiu que não precisaria mais caminhar, afinal, estava seguro. Não precisava chegar ao seu objetivo, precisava apenas contar com a segurança de ter um fruto sempre a mão para saciar-lhe a fome, de ter uma sombra fresca para os dias de calor e uma proteção para os dias de tormenta. O homem que caminhava sentou-se à beira do caminho, porque caminhar, na verdade, perdera o sentido.

Mas o homem sentado à beira do caminho havia aprendido certa vez que o ser humano, enquanto criatura capaz de construir coisas maravilhosas havia nascido para caminhar. O homem é uma criatura que conta histórias. Mas como contar uma história sem experimentar a diversidade que só o caminho pode lhe proporcionar?

O homem sentado à beira do caminho de tempos e tempos lembrava-se de Aleph, um dos anjos que costumava vir visitar-lhe na época em que ainda tinha os pés inquietos no caminho. Aleph era uma criatura virtuosa, sábia e companheira que sempre enchia-lhe de inspiração e coragem, e costumava dizer “viver com amor é viver com alegria. E que alegria maior pode existir senão conhecer as coisas belas que este mundo têm a oferecer?”

O homem sentado à beira do caminho sente um nó no peito ao lembrar-se das palavras do bom e velho Aleph, mas quase que imediatamente ouve a voz do seu medo dizer-lhe “Aleph é um anjo, e talvez nunca venha a conhecer as necessidades de um homem. Ele não precisa comer, não precisa se esconder da raiva do sol e nem da tristeza gelada da chuva. Ele tem asas, seus pés nunca vão doer”.

E o homem que caminhava tranca suas lembranças no baú do esquecimento e dá razão á voz do seu medo.

Eu olhei bem para o homem sentado a beira do caminho, e enquanto passava, tive pena dele.

A única coisa que vão dizer sobre ele é: Havia um homem sentado à beira do caminho.

Um comentário:

Paulo Joaquim disse...

Aleph, uma letra hebraica, um anjo, um símbolo, um guerreiro e o significado básico de tudo aquilo que desejamos ser, daquilo que buscamos viver e principalmente daquilo que jamais devemos esquecer.
Bravo.