quinta-feira, 4 de outubro de 2012

As Cartas Que Não Foram Lidas - VI.


As Cartas Que Não Foram Lidas - VI.

Já faz algum tempo que vago pelo mundo sem me preocupar em voltar.
Depois de um tempo você esquece o porquê saiu.
Depois de um tempo você começa a procurar motivos para voltar.
Meu motivo para voltar, sempre foram os mesmos: o amor, o aconchego e a paz que todos buscamos.
Agora, sentado aqui observando esse pôr-do-sol, deixo um sorriso tomar conta dos meus lábios enquanto penso – Deus, como somos tolos.
Meu riso é fácil, justamente por que riu de mim mesmo.
Sou mais sábio.
Sim, acredito que o mundo me deixou assim, tenho todas as cicatrizes para provar.
Somos tolos porquê buscamos sentido onde não existe sentido algum.
Buscamos riquezas que nem de longe nos tornarão realmente mais ricos.
Sabe meu amor, quando esta última carta chegar às suas mãos, saiba que estou a caminho. Saiba que é para sempre.
Tocarei minha gaita de fole para você, colheremos flores e beberemos da água pura que jorra das encostas da montanha.
Perderemos nossas noites fazendo amor e contando estrelas.
Sou mais sábio.
Sim, acredito que a chuva lavou meus sentimentos mais obscuros, acredito que enquanto caminhava meus pés eram limpos pela poeira da estrada.
Nos meus sonhos mais secretos aprendi a observar o mundo, e observando descobri que sou feliz.
Sabe meu amor, desejo a simplicidade em todas as suas formas.
Quero sentir o cheiro da natureza enquanto ela brota da mãe terra, quero ouvir o barulho da cachoeira e me banhar nela.
Quero fazer uma oração para o Deus desconhecido em uma noite de céu estrelado, quero correr por entre os campos verdes antes que eles murchem e colher todas as flores que puder.
Contemplaremos o mundo de mãos dadas, seremos sol e lua em dia de eclipse.
Sou mais sábio.
Sim, sou sábio pois não conto mais o tempo, em verdade, não vale a pena. Pois o tempo se vai, escorre por entre nossos dedos como areia fina. Aprendi que não importa quanto tempo temos, mas sim como vamos viver o tempo que temos.
Sim, sou sábio.
Sou sábio porque não me enraiveço mais com as pessoas, pois descobri que não vale a pena meu amor.
Quando enxergo pessoas de mau humor, ou pessoas que reclamam em demasia da vida apenas observo.
Ora, como posso julgar tais pessoas?
Elas não sentiram o gosto da chuva em meio a uma tempestade, não viram o sol se por em meio às montanhas.
Elas não amaram até se cansarem, não dançaram ao som de gaitas de fole. A maioria delas nem mesmo ouviu a nona sinfonia de Beethovem.
Sim eu sou mais crédulo.
É impossível para o homem comum observar a dança das estrelas e não acreditar que Deus existe, é impossível observar a bondade que ainda existe nos homens, e não acreditar que ainda é possível viver em paz.
Sim, eu acredito no invisível.
Apenas ele pode me mostrar a Anima-Mundi. Apenas ele pode, com seu toque suave, trazer a chuva de cada tarde.
Sabe meu amor, imagino que te devo desculpas, pois já há um longo tempo deveria ter dividido contigo meu mundo.
Porém esse mundo no qual vivo é tão belo e tão complexo, que sinto medo.
Acredite meu amor, todos aqui sentimos medo.
Temos medo de não viver e é por isso que inventamos vidas fantasiosas, temos medo de não nos tornamos aquilo que desejamos ser, temos medo de não conseguir, em alguns casos o medo é tão estremo que temos medo de nós mesmos.
Porém eu perdi meus medos, afinal, o que posso temer se o vinho em minha caneca é de boa qualidade, se o céu tem estrelas, se a chuva fertiliza a terra, se o pão é farto e tenho você para amar até o ultimo dos meus dias?
Sim, sou mais otimista.
Sou mais otimista, porque você me faz assim.
Sou otimista, porque quando lutamos pelas causas nas quais acreditamos, lutamos com mais bravura.
Entenda meu amor que quando não lutei por você, não foi por falta de amor ou coragem, não lutei porque como todos os guerreiros prontos para a batalha esperava apenas um sinal para avançar.
O sinal veio em seus olhos que brilham, em seu sorriso que me diz que estou no caminho certo e em suas mãos que sobre minha cabeça abençoam minha busca.
Amo-te, como nunca amei ninguém.
Amarei-te até o dia em que aqui não mais estiver.
Sou mais sábio meu amor.
Sou mais sábio porque "Eu fui à Floresta porquê queria viver livre. Eu queria viver profundamente, e sugar a própria essência da vida... Expurgar tudo o que não fosse vida; e não, ao morrer, descobrir que não havia vivido".*
Sou sábio, pois descobri que o mundo respira, e que no fim de nossa história somos alimento para vermes.
Estarei contigo em breve meu amor.
Tudo que desejo é seu olhar e seu sorriso me dizendo que posso lutar.
Se isso acontecer, por você travarei batalhas e atravessarei um mundo de desafios...
... Porque te amo.

P. J. S.

* Trecho entre aspas de autoria de Henry David Thoreau, ensaísta, poeta, naturalista, filósofo e humanista do século dezoito.
Este trecho pode ser encontrado na Obra - A vida Nos Bosques.

2 comentários:

L. Damasio disse...

Maravilhoso! Aprender com o caminho e com as coisas do mundo!
Fantástico!!!!

Micaella disse...

As cartas que não foram lidas, mas que deveriam ser lidas por todos que dizem amar.
Pena que acabou, mas foram seis cartas maravilhosas, vou ficar esperando as novidades, já me contaram sobre o livro, vou comprar o meu, mas quero o autografo dos dois renascentistas hein.
Beijo meu anjo, mas uma vez obrigado por nos presentear com seus textos lindos.