No começo do ano, eu pensei em participar de uma antologia sobre contos de terror e suspense. Para participar, escrevi o texto abaixo sob o título de “A Casa do Bosque“. Foi mais um texto experimental do que qualquer outra coisa, pois nunca havia escrito nada do gênero. Por fim, acabei não participando da antologia e engavetei o texto. Como estou revendo minha forma de escrita e, de certa forma passando por uma mudança (ou descoberta) de estilo e marca autoral, resolvi postar aqui para registro dessa transformação. Me digam o que acharam! :)
“Malditos adolescentes” pensava Olavo Barbosa, a passos rápidos pela trilha, enquanto ouvia as risadas e algazarras de seus amigos às suas costas. “Quando disserem que adolescentes são idiotas, é melhor acreditar!” bufava para si mesmo.
Mas a verdade é que Olavo não podia reclamar. Foi uma aposta. Ninguém o obrigou a participar, ele entrou porque quis, e perdeu. Claro que ninguém gosta de perder, mas acontece às vezes na vida. E desta vez, ele foi o infeliz. E que alternativa ele tinha se não cumprir o apostado. Não queria perder o respeito de seus amigos, mas também estava furioso por ter perdido.
Ele era considerado o nerd da turma. Garoto magro, de óculos, tímido e reservado, mas que tirava sempre as melhores notas. Aos dezesseis anos, Olavo tinha sonhos de ser professor, e seus amigos sempre implicavam com ele por conta disso. Mas fora isso, ele se divertia como um adolescente comum, fazendo bagunça na rua, bebendo escondido e falando besteira com seu grupo de amigos.
Até que resolveram, noite passada, falar na história da tal casa.
Olavo, junto com seus amigos, morava em uma rua sem saída, que desembocava em um escampado que precedia um bosque. No meio do bosque, formado por altos eucaliptos, havia uma casa de madeira abandonada. Certa vez questionado, o pai de André, um dos amigos de Olavo, dissera que a tal casa era apenas um almoxarifado, onde os funcionários e uma antiga madeireira que funcionava no bosque guardavam suas ferramentas. A empresa logo fechou e a casa ficou ali, esquecida. Não demorou muito para que o mato e as arvores a engolirem.
Como algo típico que acontece na maioria das pequenas cidades do interior de São Paulo, logo uma lenda urbana surgiu sobre a casa. Diziam que às seis horas da tarde, podia-se ver um vulto dentro da casa. Diziam que a figura era de um homem segurando uma machadinha, e que lamentações eram ouvidas ecoando pelo bosque. Diziam que o dono da madeireira se matou naquele local, desesperado por ter levado a falência a empresa que seu pai havia dado a vida para construir.
“Isso é uma besteira” protestou Olavo. “Moramos aqui a vida toda e nunca ouvimos nada. Se essa lenda tivesse alguma verdade, alguém já teria ouvido” completou. “Não sei não” discordara Paulo, “A irmã do Rafael disse que já ouviu várias vezes algo parecido com o choro de um homem adulto. Eles moram mais no fim da rua” arrematou.
E então, dessa discussão, surgiu a aposta: ir até a casa, às seis horas da tarde, e com o smartphone, filmar e captar provas de algum acontecimento sobrenatural.
“Claro que isso tudo é absurdo”” pensou Olavo, consultando o relógio e lutando para não escorregar entre as folhas secas que cobriam o caminho. Faltavam dez minutos para as seis. Tempo suficiente para chegar a casa em tempo de ver a aparição da lenda.
Na entrada do bosque, ele sentiu o ar gelado soprado das arvores. Olhou para trás e viu seus amigos além do escampado que acabara de atravessar. “Uma aposta de coragem, né? Seus idiotas!” pensou acenado e sumindo pelas árvores. Olavo não acreditava na tal lenda urbana da casa do bosque, mas também não se sentia a vontade indo até lá sozinho.
O cair da noite foi lento, e o céu estava especialmente avermelhado. Passadas meia hora, Olavo ainda estava embrenhado no bosque, e André, Paulo, Lucas e Rafael fora ficando cada vez mais quieto.
“Ele não tá demorando muito?” perguntou Rafael, consultando as horas em seu celular. “Acho que não. Ele já deve estar voltando” devolveu Paulo.
Mais quinze minutos se passaram. “Acho que ele está demorando mais do que devia. Daqui a pouco vai estar bem escuro. Liga pra ele André” pediu Lucas. Alguns toques na tela do aparelho, e André fez uma careta ao ouvir a mensagem. “Caixa postal” declarou. “Tenta de novo” pediu Rafael.
Após três tentativas frustradas, Rafael inquietou-se. “Puta que pariu! Vamos lá pessoal, vamos buscar o cara!”. “Eu não vou lá não. Eu não perdi a aposta” protestou André. “Quem foi que ficou em penúltimo? Foi você não é, Lucas?” perguntou Paulo. “O que tem isso?” devolver Lucas. “Se você ficou em penúltimo, você tem que cumprir a aposta depois do Olavo. Então é você que tem de ir até lá!” respondeu Paulo. “Ficou maluco? Não vou lá não” protestou Lucas. “Vai sim, você foi um dos que mais instigou a aposta, agora tá com medinho. Deixa de ser cagão e vai logo lá e manda o Olavo voltar” disse André.
Lucas protestou, mas resolveu ir. Não iria dar uma de covarde para o grupo. Se o nerd foi, ele também podia ir.
Os outros três acompanharam Lucas sumir aos poucos na escuridão que caía, até alcançar a copa das arvores e desaparecer de vez.
Dez minutos se passaram “Liga pro celular dele Rafa. Tenta o Lucas e o Olavo” pediu Paulo. André caminhava de um lado a outro na rua.
“Os dois na caixa postal!” declarou Rafael.
“Mais que merda, o Lucas falou que ligaria assim que estivesse lá. Não to gostando dessa história!” irritou-se Paulo.
“Talvez o sinal seja ruim lá!” sugeriu André.
“Vamos até o começo do bosque” sugeriu Paulo.
Os três começaram a caminhar pelo escampado em silêncio. Paulo caminhava na frente a passos acelerados. André e Rafael tentavam acompanhar o ritmo. Ao chegarem na base das árvores, tentaram enxergar algo pelo caminho que avançava, na esperança de verem Olavo e Lucas.
“O Sinal do meu telefone está normal aqui” disse Paulo, com a face iluminada pela luz do aparelho. “Eu vou lá. Vocês me esperam aqui.” Pediu.
André e Rafael concordaram. “Em cinco minutos você me liga. Vá iluminando o caminho com o telefone.” Sugeriu Rafael.
Paulo concordou e começou a caminhar. Os dois amigos que esperavam acompanharam a luz branca do aparelho balançar entre as árvores. A certa altura, a Luz apagou. André arriscou-se a chamar por Paulo, quando algo pulou em seu bolso.
“Alo! André?”
“Fala Paulinho? Achou eles?”
“Cara, tá muito escuro aqui. Qual a distância que aquela casa ficava, não me lembro”.
“Acho que uns trezentos ou quatrocentos metros. Conseguiu ver alguma coisa?
“Acho que estou vendo Alguém! Lucas? Olavo?”
Silêncio.
“Paulo? Alô!”
André checou o visou do seu celular. A ligação havia caído. Tentou retornar, mas o aparelho de Paulo caiu direto na Caixa Postal.
“Cara, que estranho! Será que acabou a bateria do telefone dele?”
Rafael deu de ombros. “Ele tava logo ali na frente. Grita ele aí!”.
André chamou pelo amigo umas três vezes. Teve como resposta apenas o vento causando uma arruaça na folhagem do bosque.
“Vamos chegar ali Rafa. O Paulinho não deve estar ouvindo por causa do vento.”
Os dois embrenharam-se no bosque, seguindo o caminho onde instantes antes o celular de Paulo havia iluminado. Enquanto avançavam, chamavam pelos amigos “Para de brincadeira” disse a certa altura Rafael, com irritação “não tem graça!”.
Alguns passo a mais e ouviram um barulho que os fizeram parar “Escutou isso Rafa?”. “Acho que sim. O que era?”.
Segundos depois eles ouviram algo parecido como um gemido. “Que porra é essa?” disse Rafael, assustado. “Devem ser as árvores rangendo por causa do vento. Deixa de ser bundão cara!”
“Não sou bundão” protestou Rafael “Só achei estranho. Não dá pra enxergar nada nessa merda. Vamos embora. Deixe esses babacas aí. Eles estão de graça!”.
“Acho que to vendo algo logo ali. Vamos chegar pra ver”.
“Vai você!” protestou Rafael. “Eu te espero aqui. Não vou ser assustado por esses babacas!”.
André avançou alguns passos, sumindo na escuridão. Rafael ouviu a sua frente algo estalar, como um galho seco sendo quebrado, e depois silêncio. “André? Qual é cara, não tem graça, vamos embora daqui, já escureceu e tem muito mosquito nessa merda!”.
Não veio resposta. Seus olhos não conseguiam penetrar na escuridão. Ele estava prestes a se virar e tomar o caminho de volta para casa. “Olavo ficou puto por ter perdido a aposta e agora que pregar uma peça no grupo. Em mim não!” pensou ele. Seu celular tocou. Não estava no silencioso, de modo que o som ecoou entre as árvores e deu aquela sensação de que o volume estava mais alto do que deveria. Leu na tela “Olavo” antes de atender.
“Onde você tá cara?” perguntou com o aparelho colado ao ouvido. Não ouve resposta. Apenas um chiado, como se alguém respirasse próximo ao aparelho. “Alo?” “Olavo?”
Desligou.
“Babaca” disse, virando-se e tomando o rumo para fora do bosque.
Foi quando algo pulou e lhe acertou em cheio o estomago. Sentiu seus pulmões se esvaziarem na hora. Seus joelhos dobraram e ele caiu. Esforçou-se para recobrar o fôlego, mas seu nariz parecia trancado. Assustado, ele tentou olhar pra o lado, e viu um vulto aproximando. Ainda sem fôlego, ele olhou para a figura que se aproximava com calma. Não conseguia ver seus traços, mas seu andar pareceu familiar. Ele tentou dizer algo, mas não teve fôlego. O sujeito chegou bem perto dele e agachou. Estava tão perto, que ele pode sentir o cheiro adocicado de sangue, e ver o que pareciam feridas abertas em seu rosto. “Olavo” reconheceu o amigo. Estava sem óculos e com olhar afundado. “Mas o que…” sentiu uma pontada em seus pulmões. De repente seu amigo foi ao chão, com um baque seco. Ele demorou alguns segundos para entender. Aquele não era Olavo. Era apenas a cabeça dele. Olhou para o lado desesperado, a tempo apenas de ver uma mão ensanguentada segurando uma machadinha levantar-se e descer rapidamente sob sua testa. O último som que ouviu foi o barulho seco do seu crânio rachando, tal qual um galho seco se partindo. E tudo escureceu.
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